sábado, 28 de abril de 2012

DAS TUTELAS DE URGÊNCIA NO PROJETO DO NOVO CPC


INTRODUÇÃO

Dentre as garantias constitucionais do processo temos o acesso à justiça. Esta, por sua vez, materializa-se pelo exercício do direito de ação que assiste a todo cidadão e visa um provimento jurisdicional do Estado-juiz, a fim de pacificar um conflito.

Ocorre que a resposta jurisdicional quanto ao direito material, inevitavelmente, deve passar por uma sistemática lógica de aplicabilidade do Direito denominada procedimento. Este é inerente a um processo ou instrumento, por meio do qual se solução a lide. Assim, podemos dizer que associada à citada garantia temos o devido processo legal na vertente material e adjetiva.

Assim, é fato que a prestação jurisdicional implica tempo e que nem sempre este pode ser esperado pela parte. Por esta razão, ou seja, pela necessidade de um agir jurisdicional antecedente que vise preservar o bem da vida e evitar o perecimento de direito, surgiu à técnica procedimental denominada de tutela ou provimento jurisdicional urgente.

Nesta rota, o simplório ensaio visa analisar as tutelas de urgência na sistemática atual do CPC, comparando-as com o que vem sendo trabalhado no projeto do novo CPC.

1 DAS TUTELAS DE URGÊNCIA: CONCEITO, ESPÉCIES, OBJETOS, REQUISITOS E PEDIDO

1.1 Conceito

Por tutela se entende proteção. Já urgência a situação fática que requer uma intervenção imediata. Para o Direito e, sobretudo, o processual, tutela ou provimento, em sentido amplo, significa proteção do direito material. Assim, configura-se uma resposta de plano do Estado-juiz, ou seja, antes do provimento final, do término do feito, o demandante já pode ter uma manifestação judicial em torno do seu pleito, em verdadeira cognição sumária, ante as implicações fáticas postas. Em outras palavras, a tutela jurisdicional urgente é a providência imediata e efetiva de entrega do bem da vida ou do acautelamento deste.

Para Sampaio Júnior, tutelas de urgência seriam “todas aquelas medidas que são concedidas no decorrer do processo, em especial no seu início, tendo como premissa a questão do perigo de ineficácia da tutela em razão de uma emergência[1]. Com efeito, são verdadeiros mecanismos de sumarização, na perspectiva de que para garantir o bem da vida exigi-se o necessário respeito à tempestividade.

Saliente-se que, não obstante serem materializadas em decisão interlocutória, a jurisprudência passou a admitir a concessão de tutela de urgência em sentença, ou seja, na fase final do procedimento. Contudo, temos que convir que tal proceder acaba comprometendo o propósito dos provimentos liminares e, até mesmo, a garantia do acesso à justiça e da razoável duração do feito.

1.2 Espécies e Objetos

As tutelas de urgências ou provimento liminar é gênero do qual são espécies a tutela satisfativa e a tutela de segurança. A primeira tem como subespécies a tutela antecipada genérica, a específica e a inibitória; já a segunda há apenas a tutela cautelar.

No provimento liminar de natureza satisfativa, ao contrário da tutela de segurança, ocorre à antecipação do bem da vida ante a quase certeza do direito percebida pelo juiz em sua análise sumária inicial. Na tutela de segurança o que se tem na aferição do magistrado é mera aparência do direito, visando o provimento apenas assegurar, proteger o direito que será objeto de demanda cognitiva ou satisfativa, sem que haja antecipação do bem da vida.

1.3 Requisitos

1.3.1 Da Tutela Antecipada Genérica

A tutela antecipada genérica (CPC, art. 273 e §§) somente deve ser concedida, parcial ou totalmente, quando houver requerimento da parte[2] e a configuração de todos os requisitos legais autorizadores, quais sejam: verossimilhanças das alegações autorais; provas inequívocas; fundada receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou abuso do direito de defesa; e, reversibilidade da medida.

Por verossimilhança das alegações autorais entende-se a quase certeza do que está sendo posto para apreciação. Seria a plausibilidade ou probabilidade do reconhecimento do direito e da entrega do bem da vida ao final do procedimento. Para tanto, tem-se por indispensável às provas inequívocas ou pré-constituídas, ou seja, aquelas que aclarem, de plano, a controvérsia da lide, não proporcionando dúvida ao julgador ou, se persistirem, que sejam residuais.

Quanto ao fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação tem-se a situação fática posta para apreciação do Juízo com as devidas provas do dano ou do risco deste. Por outro lado, mesmo que tal circunstância não seja configurada pode o magistrado antecipar a tutela se restar evidente o abuso do direito de defesa por parte do réu, em vilipêndio as regras inerentes a lealdade processual ante a provocação de incidentes manifestadamente infundados e a resistência injustificada ao andamento do feito, em situações processuais protelatórias.

Ademais, deve ser reversível a medida a conceder, ou seja, a revogação ou a cassação do provimento liminar não pode compromete substancialmente os fatos, podendo retornar ao status quo ante.

1.3.2 Da Tutela Antecipada Específica e Da Inibitória

A tutela antecipada específica (CPC, art. 461 e §§), por sua vez, ocorre quando a ação tem por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou a entregar coisa certa, ou seja, que visa a execução forçada de uma conduta positiva do devedor inadimplente, seja com o fato ou a coisa. Para a concessão desta basta ser relevante o fundamento da demanda e existir justificado receio de ineficácia do provimento final (§3°).

De igual modo, temos a tutela antecipada inibitória quanto aos requisitos autorizadores, havendo distinção apenas quanto à natureza da obrigação a qual visa o cumprimento forçado, qual seja: obrigação de não fazer ou negativa, isto é, o respeito à abstenção ajustada.

1.3.3 Da Tutela Antecipada de Evidência

Para doutrina o § 6° do art. 273, do CPC, trata de uma tutela antecipada diferenciada das demais, cognominando-a de tutela de evidência. Assim, em situações em que existe um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso, pode o juiz conceder a tutela antecipada sem a necessidade da análise dos outros requisitos autorizadores do provimento liminar satisfativo. Por oportuno, assente-se que, por ser incontroverso, a solução provisória passa a ser definitiva.

1.3.4 Da Tutela Cautelar

No tocante à segurança temos a tutela cautelar. Esta é concedida quando configurado o fumus boni in iure ou fumaça do bom direito, que diz respeito à mera aparência do direito que será discutido no feito principal; e o perriculum in mora ou perigo da demora, que se refere ao risco de dano ao bem da vida a ser perseguido naquele. As medidas em pleito desta natureza tanto pode ser típica ou nominada, como atípica ou inominada, haja vista o poder geral de cautela do juiz.

1.4 Do Pedido

Registre-se a aplicabilidade da fungibilidade do pedido às tutelas de urgência (§7º do art. 273, do CPC). Isto implica dizer que o juiz pode conhecer de pleito liminar satisfativo e em qualquer de suas espécies como sendo cautelar e vice-versa. Assim, temos uma visão de “mão dupla”, não obstante as resistências doutrinárias, bastando, para tanto, a identificação dos requisitos específicos e a adequação, conforme o provimento concedido.

Assente-se, ainda, que o pleito liminar pode ser realizado a qualquer momento antes da sentença, não havendo, portanto, a obrigatoriedade de restar consignado na exordial. Ademais, se mantida a compatibilidade com o objeto da demanda, ele pode ser modificado sem a anuência do réu, mesmo que já devidamente citado. Por último, frise-se que a apreciação pode ser inaudita altera pars, ou seja, antes da instauração do contraditório, ou não.

2 DO PROJETO DO NOVO CPC

2.1 Das Tutelas de Urgência: Satisfativa e Cautelar

No projeto do novo CPC são espécies de tutelas de urgência apenas a satisfativa e a cautelar. Na mesma rota do trabalhado acima, visam às medidas satisfativas antecipar ao autor, no todo ou em parte, os efeitos da tutela pretendida, enquanto que as cautelares têm por objeto afastar riscos e assegurar o resultado útil do processo.

É cediço que as tutelas de urgência podem ser requeridas antes ou no curso do processo. Ocorre que o projeto do CPC inova na medida em que admite que o juiz conceda ex officio as medidas que considerar adequadas quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação. Ademais, a medida de urgência poderá ser substituída, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, pela prestação de caução ou outra garantia menos gravosa para o requerido, sempre que adequada e suficiente para evitar a lesão ou repará-la integralmente.

Percebe-se uma uniformização, bem como, uma simplificação dos requisitos autorizadores das tutelas de urgência em relação as suas espécies. Assim, tanto para a concessão da satisfativa quanto apara a cautelar, basta apenas que sejam demonstrados elementos que evidenciem a plausibilidade do direito, assim como o risco de dano irreparável ou de difícil reparação.

Inova o legislador ao positivar a exigência para concessão liminar de tutela de urgência da caução real ou fidejussória idônea, visando ressarcir os danos que o requerido possa vir a sofrer, ressalvada a impossibilidade da parte economicamente hipossuficiente. Em síntese, enaltece a contracautela.

Com efeito, com a generalização tem-se que não há mais a divisão formal em tutela antecipada genérica, específica e inibitória. Contudo, isso não impede que o juiz ao deferir uma tutela de urgência satisfativa delimite o provimento em um daqueles temos.

Quanto à inibitória, acreditamos que o legislador está a perder uma grande oportunidade para instituir o seu disciplinamento. Por outro lado, consoante afirmado acima, nada impedirá o seu manejo, apreciação e concessão, cabendo a jurisprudência essa construção.

Em relação ao processo cautelar, a generalização apontada põe termo a sua instrumentalização, extinguindo o livro III do atual CPC. Isto, no entanto, não implicará na extinção das medidas e dos provimentos de natureza cautelar. Assim, a extinção dos nomem juris e do procedimento para cada espécie não impede o manejo e a abertura interpretativa, o que eleva a relevância do poder geral de cautela inerente ao magistrado.

2.2 Da Tutela de Evidência

Ainda no campo da inovação temos a tutela de evidência como provimento autônomo e distinto das tutelas de urgência. Enquanto nestas a cognição é sumária, naquela é exauriente. Logo, resta ao julgador o poder de conceder uma tutela já definitiva, isto porque, não há qualquer risco para o processo ou até mesmo para o direito material.

Assim, consoante disciplina o projeto do novo CPC, a tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação, quando: I - ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do requerido; II - um ou mais dos pedidos cumulados ou parcela deles mostrar-se incontroverso, caso em que a solução será definitiva; III - a inicial for instruída com prova documental irrefutável do direito alegado pelo autor a que o réu não oponha prova inequívoca; ou, IV - a matéria for unicamente de direito e houver tese firmada em julgamento de recursos repetitivos, em incidente de resolução de demandas repetitivas ou em súmula vinculante.

Esta nova vertente processual mostra-se em consonância com a efetividade do direito, a uniformização do direito objetivo, a segurança jurídica, a sumarização material e procedimental, a economia processual, a efetivação e a razoável duração do processo.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

As tutelas de urgência foram inovações acertadas do legislador, visto que conferem maior efetividade ao processo, mediante a melhor distribuição do prejuízo da demora do procedimento. Assim, acaso o demandante preencha os pressupostos legais, obterá de pronto o direito substancial firmado na exordial ou a preservação deste, evitando assim o seu perecimento ante os passos lentos da relação jurídico-processual.

O projeto do novo CPC tende a uniformizar os provimentos de tal natureza ao tratar do satisfativo e do cautelar em conjunto, quando a cognição for sumária. Essa circunstância ocasionará o fim do processo cautelar, mas não das medidas dessa natureza, que poderão ser absorvidas e concedidas, consoante o poder geral de cautela do juiz.

Não obstante tenha causado espécie a vários processualistas, o projeto do novo CPC não vem privilegiando a tutela inibitória, isto é, não trata de procedimento algum referente a mesma.

Por último, saliente-se que, no esteio dos ensinamentos de Marinoni, ao contrário do que ocorre com a tutela inibitória, o projeto do novo CPC trabalha acertada e profundamente a tutela de evidência. Esta é vista como autônoma em relação à satisfativa, sob a premissa de ser de cognição exauriente, conferindo o julgador a possibilidade de conceder uma tutela já definitiva.

REFERÊNCIAS

SAMPAIO JÚNIOR, José Herval. Tutelas de urgência no anteprojeto do novo CPC.

MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. São Paulo: RT, 2010.

__________. Tutela específica arts. 461, CPC e 84, CDC. São Paulo: RT, 2001.

Projeto de lei n° 166/2010, decorrente do anteprojeto do novo CPC ainda em tramitação no Congresso Nacional.



[1] SAMPAIO JÚNIOR, José Herval. Tutelas de urgência no anteprojeto do novo CPC.
[2] Não é o propósito do trabalho, mas há corrente que sustenta a concessão ex officio a partir do poder geral de cautela que assiste ao magistrado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário