sexta-feira, 22 de maio de 2009

A (IN)VIABILIDADE DA APLICAÇÃO DO CONTRATO DE FRANQUIA ÀS RELAÇÕES ENTRE DISTRIBUIDOR E REVENDEDOR DE COMBUSTÍVEIS





ARAÚJO NETO, Henrique Batista;
ALVES, Victor Rafael Fernandes.




1 INTRODUÇÃO

É inegável a importância de toda e qualquer atividade econômica para o desenvolvimento de um país. O Brasil adotou o sistema capitalista, prevendo a nossa Carta Magna de 1988 a livre concorrência como princípio norteador da ordem econômica. Esta, por seu fim, funda-se na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, com o escopo de assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social.
Na legislação infraconstitucional encontram-se diplomas normativos objetivando assegurar essa premissa do sistema constitucional, por exemplo, a Lei nº 8.884/94 que criou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).
Dentro da nova sistemática implantada após a Emenda Constitucional de n.° 9/95 e, por conseqüência, a Lei do Petróleo (Lei n.° 9.478/97), tal fato não é diferente, isto é, na cadeia produtiva – do setor upstream ao downstream – diante da flexibilização do monopólio, o princípio da livre concorrência impera, cabendo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) a regulação do mercado.
Com efeito, frise-se que, diferentemente da exploração, desenvolvimento, produção, transporte, processamento e refino, o mercado na distribuição e revenda de combustíveis sempre foi livre de monopólio, restando aos agentes econômicos o seu manejo com a interferência indireta do Estado com o fito de garantir o abastecimento em todo o país, em respeito aos princípios da dignidade da pessoa humana e do interesse nacional. É nesse segmento que, com fulcro na metodologia teórico-descritiva, analisaremos o contrato de franquia e a verticalização na indústria do petróleo.

2 O SETOR DOWNSTREAM
2.1 DISTRIBUIÇÃO E REVENDA

Conforme apontado, o setor downstream no Brasil sempre foi imune ao monopólio estatal. Esse é formado, nos ensinamentos da mais abalizada doutrina, pela distribuição e pela revenda, sendo o mais dinâmico de toda cadeia, conforme abordaremos nas vindouras linhas com uma sucinta análise histórica.
Pois bem. A distribuição sistemática de derivados de petróleo no Brasil, realizada em latas e tambores, teve início em 1912. Como marcos, apontamos, em 07 de julho de 1922, a entrada no mercado brasileiro da Atlantic Refining Company of Brazil, assim como, em 1934, o funcionamento da Destilaria Rio Grandense S.A. em Uruguaiana, Rio Grande do Sul, que deu origem em 1937 a primeira Refinaria de Petróleo do país[i].
No esteio da regulação do setor não podemos deixar de registrar a criação do Conselho Nacional do Petróleo, pelo Decreto-Lei nº 395, de 29 de abril de 1938, com o objetivo de, dentre outros, regular e fiscalizar as atividades de exploração, refino, importação, distribuição e comercialização de petróleo e seus derivados. Em 1941, ocorreu à criação da Associação Profissional do Comércio Atacadista de Minérios e Combustíveis, que deu origem, em última análise, ao atual Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes - SINDICOM[ii].
Após uma decisiva campanha popular notoriamente denominada “o petróleo é nosso” foi estabelecido o monopólio da União sobre a lavra, refinação e transporte marítimo do petróleo e seus derivados, sendo criada a Petrobrás para exercê-lo, de acordo com a Lei nº 2.004, de 3 de outubro de 1953. Nesta, o setor downstream continuou ileso de controle direto estatal[iii].
Consagrado o monopólio da União sobre o petróleo e seus derivados, através da Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988, o setor downstream, mais uma vez não foi atingido, ficando, em regra, a cargo da livre iniciativa (CF, art. 238)[iv], ressalvada a interferência mínima estatal, no esteio do interesse nacional no abastecimento energético do país.
No governo Collor, em verdadeira política neoliberal, iniciou-se a abertura do mercado brasileiro com a criação do Programa Federal de Desregulamentação, sendo estabelecido o critério de preços máximos nos postos revendedores e liberados os preços do querosene iluminante e dos lubrificantes automotivos. Nesse momento surgiu o Departamento Nacional de Combustíveis com a extinção do Conselho Nacional do Petróleo[v].
Em decorrência da abertura já sinalizada no cenário nacional, apontamos como mais importante marco do século passado na indústria do petróleo no Brasil no aspecto jurídico, a Emenda Constitucional de n.º 9, de 9 de novembro de 1995, então responsável pela flexibilização do monopólio. Todavia, esta em nada modificou a ingerência estatal no setor de distribuição e revenda[vi].
Como forma de regulamentação da flexibilização e abertura do mercado estatuída pela EC n.º 9/95, o Congresso Nacional fixou o atual marco regulatório com a aprovação da Lei n.º 9.478, de 6 de agosto de 1997, que criou a atual Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), sendo extinto o Departamento Nacional de Combustíveis (DNC), por meio do Decreto nº 2.455, de 14 de janeiro de 1998[vii].
Em relação ao setor downstream, consoante o seu rol de atribuições, a ANP no ano 2000 editou a Portaria n.º 116/2000, que cuidou de regulamentar o exercício da atividade de revenda varejista de combustível automotivo. Nesse diploma, em respeito a livre concorrência, o Estado optou por vedar a participação do distribuidor na revenda varejista, salvo a hipótese do posto escola[viii]. Em outro pórtico, mediante a Resolução ANP nº 07/2007, proibiu a venda pelas distribuidoras a postos de outras bandeiras, assim como, restringiu a venda entre distribuidoras em até 5%.
Por derradeiro, diante da preocupação do homem neste século com o meio ambiente e a busca por fontes de energias limpas com forma de diversificação da matriz energética nacional, foi criado o Programa Nacional do Biodiesel em 2005, por meio da Lei 11.097/05, que estabeleceu percentuais mínimos de mistura do novo produto ao diesel, sendo obrigatório a partir de 1º de janeiro do corrente ano, a adição de 2% de biodiesel a todo óleo diesel comercializado no Brasil. (Resolução 05/2007 – CNPE).[ix]
Feito esse traçado histórico-cronológico, em que foram priorizados os registros dos marcos regulatórios do setor, fixamos a seguir alguns conceitos base, além de dados que revelam a importância do segmento dentro da indústria do petróleo nacional.
Ressalte-se que a Lei do Petróleo foi de extrema clareza, em verdadeira interpretação autêntica, ao inserir em suas definições técnicas as conceituações do que viria ser revenda e distribuição.
Assim, conforme dispõe a lei de regência da matéria (Lei n.º 9.478/97, art. 6º, XX e XXI)[x], distribuição consubstancia-se em uma atividade de comercialização por atacado com a rede varejista e grandes consumidores, enquanto a revenda compreende-se como sendo a venda a varejo de combustíveis.
Atualmente, o Brasil possui mais de 35 mil postos revendedores. Para se ter uma idéia da grandiosidade do mercado, “no ano passado foram comercializados 88 bilhões de litros de combustíveis, R$ 162 bilhões de faturamento, R$ 52 bilhões em arrecadação de tributos e mais de 370 mil empregos direto e indiretos”, conforme informações prestadas ao jornal Tribuna do Norte[xi]por Celso Guilherme Borges, gerente comercial da Fecombustível.
Sem mais delongas, cita-se, entre outras, a Air Bp, a Alesat, a Br Distribuidora – Petrobrás, a Castrol, a Chevron, a Ipiranga, a Ello-Puma, a Esso, a Federal, a Texaco, a Total, a Shell e a Repsol[xii] como as principais distribuidoras e bandeiras de revenda que operam no país, tendo em vista que grande parte dos revendedores varejistas optam por exibirem a marca do distribuidor, padecendo da obrigatoriedade de comercializar apenas combustíveis e produtos do distribuidor detentor da marca comercial cedida.

2.2 A PORTARIA ANP N.° 116/2000 E A VEDAÇÃO A VERTICALIZAÇÃO
Como já dito, o principal diploma que rege a interação econômica entre distribuidor e revendedor varejista é a Portaria ANP n.° 116/2000. Esta dispõe, entre outros, sobre: o registro do revendedor varejista de combustíveis automotivos junto à ANP; a obrigação do mesmo de informar ao consumidor, de forma clara e ostensiva, a origem do combustível comercializado, podendo exibir ou não bandeira (marca) do seu distribuidor; a obrigatoriedade de só adquirir combustíveis junto à distribuidora registrada e autorizada pelo órgão regulador; a garantia do combustível comercializado como dever do posto revendedor. Por fim, ainda preceitua a vedação de o distribuidor atuar na revenda, ressalvado o caso de posto escola.
Assim, no esteio dos fundamentos da ciência econômica, dentro da ação regulatória da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), em especial no setor dowstream, verifica-se a vedação ao fenômeno da verticalização.
O fenômeno denominado de verticalização se caracteriza por ser, em termos da ciência econômica, o processo no qual uma empresa assume o controle sobre mais de um estágio da cadeia produtiva de um determinado produto. Conforme ensinamentos do economista Porter (1986) da Harvard Business School – considerado a maior autoridade mundial em estratégia competitiva – a integração vertical seria a união de vários processos de produção, distribuição, vendas, ou seja, uma mesma companhia acoberta inúmeras fases, ou todas, de uma cadeia produtiva, ou processos tecnologicamente distintos dentro de uma mesma empresa.
Desse modo, a regulação preceitua, em outras palavras, que cada agente econômico atuará em um determinado estágio (ou etapa) da cadeia produtiva, para maior resguardo e estímulo às práticas competitivas, como bem é lastreada na flagrante distinção perfilhada na Portaria ANP n.° 116/2000, artigo 12, caput[xiii], como dito, que veda ao distribuidor de combustíveis atuarem, simultaneamente, no varejo, reafirmando o princípio constitucional concernente à livre concorrência.

3 A RELAÇÃO DISTRIBUIDOR E REVENDEDOR
3.1 OS CONTRATOS CLÁSSICOS


A relação entre distribuidor e revendedor é marcada, em regra, por intensas avenças de trato exclusivamente privado, com normas de estrita coordenação. Com a revolução técnico-científica e o fenômeno da globalização, o antigo posto de combustível saiu de cena para dar lugar ao novo posto de serviços, verdadeiro centro de transações comerciais. Nesse sentido, o clássico contrato de compra e venda mercantil desvirtuou-se com a necessidade do surgimento de inúmeros pactos adjetos, muitos deles atípicos, haja vista, a rapidez das transformações sócio-comerciais.
A compra e venda mercantil é o pacto clássico do setor downstream. Caracteriza-se por ser um contrato consensual, bilateral, oneroso e comutativo, consistindo, de forma singela, em um pacto para aquisição e revenda de combustíveis e demais derivados de petróleo, celebrado entre agentes econômicos que atuam, em regra, nas etapas finais da cadeia produtiva da indústria do petróleo.
Do desenvolver da atividade exsurge a necessidade do empréstimo de bombas de combustíveis das distribuidoras para os postos clientes destas, por exemplo. Com efeito, nasceu o comodato de equipamentos em espécie simples ou modal.
A cessão de uso de marcas, propaganda e publicidade dessas, produtos e serviços, diante do poder dos signos no mundo globalizado influenciou o setor downstream, passando os postos de serviços a ostentar a bandeira (ou marca) do distribuidor, com exclusividade na venda de produtos da mesma linha.
Além desses, apontamos o contrato de locação e sublocação de imóvel para posto de combustíveis, o de financiamento para reforma ou construção do posto de combustíveis, o de mútuo de dinheiro para capital de giro, o de garantias de hipoteca ou fiança e o de instalação e exploração de loja de conveniência[xiv].
Registre-se também que muitas das distribuidoras (por exemplo, BR Distribuidora) preferem celebrar contratos do tipo comissão mercantil, nos imóveis de sua propriedade. Nesse tipo de avença a distribuidora constrói o posto de serviço e cede o uso do estabelecimento comercial ao revendedor varejista para ser por ele explorado, tendo como contrapartida o pagamento de comissão mercantil, cujo valor circunscreve a potencialidade de venda e a margem de lucros da revenda dos produtos, por meio de prestação de contas. [xv]

3.2 A FRANQUIA: VIABILIDADE?

Rompendo com o modelo clássico, diante da maior exigência de um mercado por demais competitivo, sinaliza-se a adoção da franquia no setor downstream dadas as múltiplas e complexas operações realizadas simultaneamente. A franquia, consoante definições propostas por doutrinadores do quilate de Gomes, Martins e Chaves, citados por Bulgarelli[xvi] , extrai-se basicamente ser um contrato bilateral, consensual, comutativo, oneroso, de duração operacional contínua, celebrados entre empresas (dado o caráter de autonomia das partes, uma em relação à outra), com exclusividade ou delimitação territorial, tendo como objeto a cessão do uso da marca (conjuntamente ou não com o produto, podendo este ser fabricado pelo franqueador) ou o título de estabelecimento ou nome comercial, com assistência técnica, mediante o pagamento de um preço legalmente, ou seja, uma porcentagem sobre o volume de negócios, preço que se pode designar pelo termo royalties.
A Lei n.º 8.955, de 15 de dezembro de 1994, deu tipicidade ao contrato de franquia no Brasil, regulando de forma rigorosa e pormenorizadamente as cláusulas e condições do pacto, o que denota um verdadeiro sistema. É modelo originário do direito norte-americano, tendo decorrido das novas técnicas negociais, no campo da distribuição e venda de bens e serviços no mundo globalizado, sendo um sistema de rígida disciplina jurídica em contraposição ao de ampla liberdade[xvii]. A franchising no Brasil caracteriza-se por ser um contrato complexo, padrão, escrito, assinado por duas testemunhas e válido, independentemente, de ser levado a registro perante cartório ou órgão público, porém com necessidade de circular de oferta de franquia, taxa de filiação e royalties.
Como visto, em virtude das constantes mudanças advindas desse vertiginoso movimento de instantaneidade e multiplicidade das relações sociais e comerciais, os institutos jurídicos não conseguem acompanhar a dinâmica dessas alterações. Sendo assim, defende-se que os contratos existentes hodiernamente entre os postos revendedores e as distribuidoras não mais conseguem abarcar a teia de pactos existentes.
Outrossim, surgiu a possibilidade dentro do cenário da globalização (poder dos signos, marca, bandeira, estratégia de mercado) do contrato de franchising substituir o clássico modelo dos contratos de compra e venda e pactos adjetos na relação jurídica firmada entre distribuidor-revendedor, por tratar-se de instituto de feição mais moderna, suscitada como mais apta a abranger este complexo de relações, conforme as novas técnicas negociais, sendo a Companhia Shell a pioneira no Brasil[xviii].
Conforme já mencionado, a franchising tem como diploma normativo no Brasil a Lei n. 8.955/94, caracterizando-se por ser um contrato classificado doutrinariamente como bilateral, consensual, comutativo, oneroso e de duração. É um contrato de rígida disciplina jurídica, contrapondo-se ao regime de liberdade mercadológico, sendo tido como forma de dominação do mercado. Nesse contexto, é evidente que nesse modelo de contrato há uma grande ingerência do franqueador.
Apesar de ser omissa a regulação do setor dowstream no que diz respeito à franquia, do ponto de vista legal, jurídico, contratual e regulatório, vislumbra-se a possibilidade da aplicação desta. Todavia, da forma em que está posto o marco regulatório, acredita-se ser possível apenas em relação empresarial entre meros revendedores e, não, na relação distribuidor-revendedor, pois, nesse caso sub examine, estaria ocorrendo uma verticalização camuflada, o que veda, expressamente, o artigo 12, caput, da Portaria ANP n.° 116/2000[xix], salvo mudança na sistemática atual.

4 IMPLICAÇÕES DA FRANCHISING NO SETOR

Explicitadas, mesmo que sumariamente, as feições do contrato de franquia bem como uma pretensa viabilidade do referido instrumento negocial, cumpre apreciar os reflexos da adoção desta nova sistemática, no âmbito das relações encetadas entre a distribuidora de combustíveis e o posto revendedor.
De plano, sobreleva a posição de superioridade na relação contratual por parte do franqueador. A idéia de fundo de franchising é a expansão de uma marca, logo o interesse precípuo é centrado na figura do franqueador, relegando ao franqueado aderir ou não ao sistema ofertado, restando a este uma pequena e restrita margem de negociação.
Quando apreciados os elementos componentes da franquia, restou claro o dirigismo contratual e a posição privilegiada do franqueador. Por outro lado, é comum asseverarem, como sendo uma nota característica da sistemática da franquia, uma pretensa independência do franqueado, aduzindo que este não se encontra em uma relação baseada em um vínculo empregatício e, ainda, que o franqueado não deve ser visualizado como uma filial do empreendimento do franqueador, pois haveria uma autonomia jurídica e financeira, sendo assim estes pactuantes figuras independentes.
Todavia, essa autonomia não é absoluta. É evidente que as exigências do franqueador tolhem a atuação do franqueado. Não que isto seja de todo um malefício, posto que é da essência, ou melhor, uma necessidade desta modalidade negocial uma razoável parcela de controle pelo franqueador. Isto ocorre porque a relação entre franqueador e franqueado é muito mais do que uma mera compra com uma série de pactos adjetos. É uma relação muito mais íntima, pois há, ao menos em uma primeira análise, um forte compartilhamento da marca e uma transferência pesada de know-how.
Logo, preocupando-se com esta relação tão mutualista é que o franqueador detém as rédeas do empreendimento, ditando os fornecedores, as técnicas de venda, o lay-out da empresa, ou, até mesmo, a vestimenta dos funcionários do franqueado. Assim, assiste razão a Harry Kursh[xx] ao expressar que: “Uma boa franquia nunca permitirá um franqueado completamente livre.”[xxi]
Partindo dessa premissa do relevante controle exercido pelo franqueador, tem-se que a já subordinante relação existente entra a grande distribuidora e o pequeno revendedor seria instituída de uma maneira menos sutil. O dirigismo contratual, elemento marcante do sistema de franquias, fundindo-se com a flagrante disparidade de poderio econômico será uma receita que não deverá gerar bons frutos no que tange a existência de uma livre concorrência no mercado de revenda de combustíveis.
Convém atentar para o fato de que a rede de postos revendedores é extremamente pulverizada, e este é o fator preponderante para que exista uma plausível livre concorrência. Mesmo com esta vasta atuação de agentes no setor ainda visualiza-se uma constante prática de cartelização. Logo, se com este extenso rol de revendores já se enfrentam problemas desta natureza, é um cenário não muito agradável que se divisa com a ingerência direta das distribuidoras. Assim, em um sistema de distribuidoras-franqueadores e revendedores-franqueados, no qual estes últimos figuram como quase representantes mercantis, a concorrência sofrerá um grande golpe, pois é um número extremamente inferior de distribuidoras que atualmente participam, e participariam, do mercado de revenda.
Dessa forma, mesmo que em um plano lógico-formal o sistema jurídico pudesse vir a abarcar a inserção do contrato de franquia nos postos de combustíveis, não se pode relegar ao segundo plano a evidente disparidade econômica entre os contraentes. Neste contrato, reputado como bilateral, os pactuantes são notoriamente distintos. Se de um lado encontra-se um posto revendedor de combustíveis, pessoa jurídica de diminuto impacto no mercado, de outro se encontra a poderosa distribuidora, a qual circula milhões em capitais e mercadorias diuturnamente.
Partindo-se desta flagrante distinção material entre os partícipes deste contrato, principalmente no que concerne ao poderio econômico, é fácil inferir a grande possibilidade de ingerência econômica da distribuidora na atuação do revendedor.
Neste prisma, ainda merece destaque a questão do pagamento de royalties, prática comum nos contratos de franquia. Este valor, como esboçado, é referente a um percentual de vendas a que faz jus o franqueador. Por óbvio, visando um aumento nos royalties há interesse direto no volume de vendas, acarretando assim uma verticalização disfarçada da cadeia. Com efeito, deste tipo contratual, o caractere que mais afronta à livre concorrência é a adoção do royalties, pois este fator que irá aguçar, ainda mais, os instintos da selvageria na disputa pelo mercado. Ora, se o volume de vendas do franqueado, o qual está na ponta da cadeia, é proporcional aos lucros do franqueador, e este terá um interesse direto e evidente nas vendas do posto revendedor. E isto poderá acarretar a adoção de práticas nada saudáveis à livre concorrência, propiciando uma tendência monopolizante perante a possível diminuição de agentes partícipes do mercado.
Ora, não é irreal imaginar que uma determinada distribuidora, em uma dada localidade, passe a praticar preços diferenciados aos seus franqueados, única e exclusivamente por se encontrarem nesta condição. Assim, existiria uma tabela distinta para franqueados e não-franqueados. Esta conduta poderia ser engendrada, por exemplo, objetivando cooptar novos franqueados, ante o baixo preço ofertado, ou ainda, em um cenário em que a distribuidora possua um razoável número de adeptos, com o fito de propiciar a quebra dos outros revendedores do setor na localidade.
Claro que, no mercado atual, também há um interesse da distribuidora no volume de vendas, visto que é comum que o distribuidor interesse-se no sucesso empresarial do revendedor de seus produtos, pois, em última análise há uma intrínseca dependência. Esse interesse recíproco é tão veemente que é corriqueiro, mesmo quando há problemas em relação a qualidade do combustível ofertado ao consumidor, e ocorre um dissenso na responsabilização entre distribuidor e revendedor, chegando até mesmo às barras do Judiciário, a distribuidora continuar vendendo combustíveis ao posto, digamos, litigante. Independente deste problema, reputado como incidental, é praxe o prosseguimento das vendas. Logo, se neste cenário pretensamente verticalizado, este problema atinge tal monta, é de se imaginar esta questão em um panorama de ingerência mais profunda da distribuidora, como se afigura a instituição da franquia, se tornará ainda pior.
Como se vê a adoção da franquia nesta seara deve ser apreciada com a devida cautela. Logo, independente da figura contratual sub examine adaptar-se, ao menos em um exame superficial, à relação distribuidor-posto revendedor, não se pode descuidar dos princípios basilares do sistema engendrado através da Lei do Petróleo. No referido diploma legal é evidente a distinção entre revenda e distribuição, bem como a impossibilidade de verticalização da cadeia, sob pena de afrontar a livre concorrência.
Dentre os danosos efeitos, não se pode descuidar da grande possibilidade de quebras no setor. O ingresso, mesmo que obscurecido, de um grande agente no setor, notoriamente, ocasiona problemas a um livre mercado. Deste ponto, as tendências monopolistas, resultantes da atuação de poucos players em um determinado setor (vide as históricas sete irmãs), acarretará quebras de diversos pequenos agentes da revenda de combustível, gerando danos incomensuráveis à iniciativa privada de pequeno e médio porte.
Com efeito, a Portaria nº 116/2000 da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis como regulamento administrativo destinado à complementação normativa, expressa claramente um consectário lógico da ordem econômica nacional, esta expressamente baseado na livre concorrência, consoante disposição do inciso IV, art. 170, da Constituição Federal.
Assim, o art. 12 da referida portaria é claro ao explicitar a impossibilidade do distribuidor atacadista atuar no setor de revenda varejista. De se ressaltar a existência de uma ressalva a essa disposição, no tocante a possibilidade de posto revendedor direcionado ao treinamento de funcionários, objetivando melhorar a qualidade dos serviços prestados. É o denominado posto revendedor escola.
Logo, não se tratando da hipótese excetuada referente ao posto escola, é vedada a inserção da distribuidora no âmbito da revenda de combustíveis, seja diante da disposição expressa do mencionado art. 12, seja por afronta ao princípio de ordem constitucional da livre concorrência.
Por óbvio que no plano fático subsistem práticas contratuais danosas a este importante princípio levadas a efeito pelos atores do mercado de combustíveis. É comum que distribuidoras sejam detentoras de toda a infra-estrutura do posto revendedor (dos terrenos às bombas de combustíveis) e utilizem o revendedor como um mero títere, um fantoche que mascara uma venda quase direta e uma camuflada verticalização no setor. Todas estas nada mais são do que burlas ao sistema de combustíveis no qual subsiste a expressa vedação à verticalização.

5 CONCLUSÃO

Por mais incrível que se possa parecer não se presta o presente artigo científico para apresentar como conclusão a plena inviabilidade da franquia nos postos revendedores de combustíveis. É plenamente possível a adoção de tal instrumento desde que observadas com cautela algumas questões já apreciadas supra.
Primeiramente, excluindo-se as distribuidoras desta hipótese, qualquer dono de posto revendedor ou mesmo um terceiro interessado, poderia criar a sua franquia para postos de revenda de combustível. Tal hipótese é plenamente aceitável em nosso ordenamento e em nada afronta os princípios da ordem econômica. Sendo assim, um ex-gerente de postos, por exemplo, com conhecimentos técnicos razoáveis, poderia criar uma franquia, criando um novo lay-out, treinamentos diferenciados, novas técnicas de mercado, enfim, os caracteres costumeiros desta particular modalidade contratual.
Em segundo lugar, ressaltando o ponto anterior, deve ser, em princípio, vedada a participação das distribuidoras na criação de franquias, nos moldes comumente vislumbrados. Averiguando-se, até mesmo, a inserção societária dos eventuais franqueadores para impedir esta atuação às escuras das distribuidoras.
Por outro lado, e isto é plenamente possível, mas não aceitável, é a alteração normativa da Portaria ANP n.º 116/2000. Diante de uma mudança que propicie a atuação do distribuidor nos postos de revenda através do sistema de franquias. Todavia, em uma atuação normativa mais coerente é melhor alterar toda a legislação asseverando que a cadeia agora pode ser completamente verticalizada, pois a ingerência subsistente no contrato de franquia resultará, no plano fático, em uma nebulosa, porém enfática verticalização.
Assim, em que pese, talvez, na prática subsistir um sistema com maior ingerência contratual do que o que está sendo analisado, tal se dá por omissão da ANP em atuar evitando tais práticas. Neste panorama, enquadra-se também o contrato de franquia pelos variados motivos já expendidos. Nesse caso, é interessante frisar, a ANP deveria ter um papel mais atuante, visto que tais condutas são flagrantes estorvos ao basilar princípio da livre concorrência.
Contudo, por derradeiro, impende ressaltar que se extirpando alguns elementos da já típica sistemática da franquia é até razoável aceitar a utilização deste pacto. Em especial a mitigação dos royalties, elemento mais enfático das subliminares manipulações possíveis do mercado.
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NOTAS

[i] SINDICOM. História da Distribuição de Combustíveis no Brasil. Disponível em: . Acesso em: 11 jun. 2008.
[ii] Op. Cit.
[iii] Op. Cit.
[iv] Art. 238. A lei ordenará a venda e revenda de combustíveis de petróleo, álcool carburante e outros combustíveis derivados de matérias-primas renováveis, respeitados os princípios desta Constituição.
[v] Disponível em: <www.sindicom.com.br>. Acesso em: 11 jun. 2008.
[vi] Op. Cit.
[vii] Op. Cit.
[viii] Op. Cit
[ix] Op. Cit.
[x] Art. 6.º (...) XX - Distribuição: atividade de comercialização por atacado com a rede varejista ou com grandes consumidores de combustíveis, lubrificantes, asfaltos e gás liquefeito envasado, exercida por empresas especializadas, na forma das leis e regulamentos aplicáveis; XXI - Revenda: atividade de venda a varejo de combustíveis, lubrificantes e gás liquefeito envasado, exercida por postos de serviços ou revendedores, na forma das leis e regulamentos aplicáveis; (Grifamos)
[xi] JORNAL TRIBUNA DO NORTE, Caderno Economia, p. 3, ano 53, número 074, Natal, Rio Grande do Norte, sábado, 21 de junho de 2008.
[xii] Disponível em: <www.sindicom.com.br>. Acesso em: 11 jun. 2008.
[xiii] Portaria ANP N.° 116, de 05 de julho de 2000, (...) Art. 12. É vedado ao distribuidor de combustíveis líquidos derivados de petróleo, álcool combustível, biodiesel, mistura óleo diesel/biodiesel especificada ou autorizada pela ANP, e outros combustíveis automotivos o exercício da atividade de revenda varejista”. (Grifamos)
§ 1º. O caput do artigo não se aplica quando o posto revendedor se destinar ao treinamento de pessoal, com vistas à melhoria da qualidade do atendimento aos consumidores.
§ 2º. O posto revendedor de que trata o parágrafo anterior deverá atender as disposições desta Portaria e ter autorização específica da ANP, como posto revendedor escola.
[xiv] GUERRA, Luiz Antônio; GONÇALVES, Valério Pedroso. Contratos de distribuição e revenda de combustíveis. Brasília: Brasília Jurídica, p. 84-85.
[xv] Op. Cit.
[xvi] BULGARELLI, Waldírio. Contratos mercantis. 14 ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 530-531.
[xvii] Op Cit.
[xviii] Disponível em: http://www.shell.com/home/content/br-pt/shell_for_motorists/franquia/abertura_02251208.html. Acesso em: 10 jun. 2008.
[xix] GUERRA, Luiz Antônio; GONÇALVES, Valério Pedroso. Contrato de franquia empresarial nos postos de combustíveis. Brasília: Brasília Jurídica, p. 88-89.
[xx] Doutrinador americano autor do livro The Franchise Boom, denominado pelos comentadores desta seara como “the Bible of the franchising field” (A bíblia no campo da franquia).
[xxi] Tradução Livre. Apud MARTINS, Fran. Contratos e Obrigações Mercantis. 15ª ed. Rio de Janeiro : Forense, 2000.

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MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais, ed. ver. e aum. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

REQUIÃO, Rubens Edmundo. Curso de direito comercial. v. 1, 25 ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2003.

Artigo publicado nos anais do XIV Seminário de Pesquisa do CCSA: Universidade e Compromisso Social. Natal: UFRN, 2008.

A REELEIÇÃO NA MESA DIRETORA DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO RIO GRANDE DO NORTE


ARAÚJO NETO, Henrique Batista.



Resumo: O fim do Estado absolutista deu-se, entre outros motivos, em virtude da implantação da ideologia político-jurídica constitucionalista que objetivava a limitação do Poder do rei por meio da Carta Magna. Dentro desta óptica, o constituinte originário brasileiro adotou a forma federativa de Estado, além disso, vedou ao Legislativo a recondução dos seus membros para o mesmo cargo da Mesa diretora da Casa, em eleição imediatamente subseqüente (CF, art. 57, § 4°). Na redação originária do § 4.°, artigo 42, da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte, calcado no simetrismo e na supremacia constitucional, o constituinte derivado decorrente reproduziu a norma mencionada. Por meio da Emenda Constitucional de n.° 03/99, o constituinte estadual passou a permitir a reeleição para o mesmo cargo, o que configura uma flagrante inconstitucionalidade, no esteio da interpretação histórico-teleológica. Nesse sentido, o presente trabalho, fundando-se na metodologia teórico-descritiva, tem por escopo o despertar da comunidade acadêmica para discussão sobre a temática e, sobretudo, dos legitimados para o controle constitucional abstrato.

Palavras-chave: Mesa diretora. Reeleição para o mesmo cargo. Inconstitucionalidade.

1 INTRODUÇÃO

O fim do Estado absolutista deu-se, entre outros motivos, em virtude da implantação da ideologia político-jurídica denominada constitucionalismo, que objetivava a limitação do Poder do rei por meio da Carta Magna.

Num momento histórico em que na Inglaterra João se via sem suas terras, em virtude da intervenção estatal sobre seu patrimônio (1215) e, que, o rei Luís XIV dizia ser a reprodução do Estado francês, do que se pode extrair da famosa frase: “O Estado sou eu”, o princípio democrático (o Poder emana do povo!) atrelado ao movimento constitucionalista foram responsáveis pelo entendimento humano de que se fazia necessário à promulgação de um Texto Maior (Lei fundamental) limitativo do Poder real de governar, que devia ser seguido e respeitado por todos, conforme a idéia rosseauniana de Estado.

Partindo dessa premissa, o presente trabalho, fundando-se na metodologia teórico-descritiva, tem por escopo apontar uma gritante inconstitucionalidade que macula o texto da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte. Além disso, visa-se o despertar da comunidade acadêmica para discussão sobre a temática e, sobretudo, dos legitimados para o controle por via de ação ou abstrato.

2 A FORMA DE ESTADO ADOTA PELO CONSTITUINTE ORIGINÁRIO

Na Ciência Política, em definição clássica, o Estado nada mais é do que uma nação politicamente organizada com uma estrutura mínima, por rudimentar que seja. Esse reúne elementos como povo, território e soberania e organiza-se por meio de uma Constituição, conforme lição secular do mestre Lassalle (BONAVIDES, 2007, p. 80-81).

A doutrina ao abordar a temática forma de Estado, classicamente, apresenta como sendo: o unitário e o federativo. Alguns acrescentam à confederação também como forma.

No Estado unitário
[1] o Poder político se encontra centralizado em uma única sede, não havendo repartição de competência nem delegação, ao passo que na federação ocorre uma descentralização entre os membros[2], sendo o Poder político dividido numa ordem jurídica central e em várias ordens jurídicas regionais.

Na Federação os Estados-membros abdicam de sua soberania em prol da União Federal, ficando indissoluvelmente ligados a esta. Por outro lado, na qualidade de entes federados possuem autonomia, isto é, competência para auto-organização e normatização, auto-governar e administrar.

Na confederação os Estados se unem por meio de pacto de convivência sem perde a soberania, logo, é uma forma estatal dissolúvel, diante do elevado grau de independência dos Estados. Desta feita, consoante doutrina majoritária, entendemos não ser a confederação forma de Estado propriamente dita, pois inexiste um Estado, mas vários deles ligados por tratado.

O constituinte originário brasileiro adotou e qualificou como cláusula pétrea a forma federativa de Estado (CF, art. 60, § 4°, I), garantindo autonomia a todos os entes (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), nos termos da nossa Constituição, ressalvada a soberania dada União Federal (CF, art. 1.° c/c 18).

O federalismo brasileiro, ao contrário, por exemplo, do norte-americano onde os Estados-membros podem legislar sobre direito penal, é tímido por demais. Há quem diga, em pesada crítica, que as Casas legislativas estaduais poderão ser abolidas do nosso ordenamento sem nenhum prejuízo, pois as mesmas só votam feriados, não desfrutando de autonomia alguma.

Por fim, o Poder constituinte derivado decorrente dos Estados-membros e dos demais entes, em que pese o princípio da autonomia, é limitado. Desta feita, no esteio dos princípios da simetria e da supremacia constitucional, deverá existir sempre uma harmonia entre os textos constitucionais estaduais e o orgânico distrital e o federal, assim como, entre os orgânicos municipais e os constitucionais estaduais e o federal (CF, art. 25, 29 e 32).

3 O PODER LEGISLATIVO: ELEIÇÃO PARA A MESA DIRETORA

Partindo do sagrado princípio democrático, de onde o Poder emana do povo, a República Federativa do Brasil ao adotar o regime de governo preconizou a forma direta e indireta de exercício do Poder (CF, art. 1.°, parágrafo único). A indireta ou representação política é produto do processo eleitoral extraído do sufrágio e se dar através dos partidos políticos.

No esteio do princípio da separação ou tripartição do poder já defendido por Monstesquiaeu na sua obra “O Espírito das Leis”, o Legislativo tem por função típica a criação da norma geral e abstrata de conduta, consoante o disposto no artigo 59, Constituição Federal, sendo puro exemplo de representação, em que impera o princípio rosseauniano da vontade geral.

Na seara nacional o Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional. Esse é bicameral, isto é, composto por duas Casas. Uma delas é a Câmara dos Deputados que responde pela representação popular. A outra, é o Senado Federal que representa os Estados-membros.

No plano estadual e local o Legislativo é unicameral, sendo formado pela Assembléia Legislativa nos Estados-membros, pela Câmara Legislativa no Distrito Federal e pelas Câmaras Municipais nos Municípios.

Para cada Casa legislativa há uma Mesa diretora. Essas são compostas, em regra, conforme Regimentos Internos, pelos seguintes cargos: Presidente, 1° Vice-Presidente, 2° Vice-Presidente, 1° Secretário, 2° Secretário, 3° Secretário e 4° Secretário.

Em respeito ao princípio republicano e ao da vedação da perpetuação no Poder, o constituinte originário preceituou que os membros do Poder Legislativo, no primeiro ano da legislatura, logo após a solenidade de posse, serão eleitos para os mencionados cargos da Mesa diretora da Casa respectiva, sendo o mandato de dois (02) anos, vedada à recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subseqüente (CF, art. 57, § 4°). Assim, exemplificando, um parlamentar eleito Presidente no primeiro ano da legislatura, poderá ser novamente eleito pelos seus pares para compor a Mesa diretora nos dois últimos anos da legislatura, porém, em outro cargo, que não mais o de Presidente.

Por natural conseqüência dos princípios da simetria e da supremacia constitucional (CF, art. 25, 29 e 32), a norma para eleição das Mesas diretoras das Casas Legislativas deve se fazer presente nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas municipais e distrital, dentro dos limites do Poder constituinte derivado decorrente.

Ademais, em que pese a autonomia dos entes federados, a interpretação histórico-teleológica constitucional, fundada em princípios como o da limitação do Poder, da vedação de perpetuação nesse, e do republicano, não admitem a ausência de reprodução da disposição normativa prevista no § 4.°, do art. 57, da Constituição Federal, nas Cartas Políticas Estaduais, Distrital e Municipal .

É bom sempre lembrar que no estágio de efetividade dos princípios que vivenciamos, violar princípio é mais grave do que transgredir a norma, pois atinge o ordenamento como um todo. Nesse sentido, num conflito entre princípios a resolução se dar por ponderação destes, num esteio axiológico da razoabilidade e proporcionalidade. Deste modo, é inegável, como forma de preservação do regime democrático, a sobreposição dos princípios republicano, da vedação da perpetuação no Poder e da supremacia constitucional – ambos refletidos por meio do simetrismo constitucional – frente ao da autonomia dos entes federados.

4 O LEGISLATIVO NA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

O constituinte derivado decorrente norte-riograndense, em obediência ao originário (ADCT, art. 11), promulgou em 03 de outubro de 1989 a nossa Carta Política Estadual com cento e sessenta e dois (162) artigos em seu texto e trinta (30) no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. De forma simétrica a Carta Federal, a estadual respeitou os princípios fundamentais, elencou os direitos e garantias fundamentais dos norte-riograndenses, cuidou de organizar o Estado, assim como os Poderes deste, tratando, ao fim, da tributação e do orçamento, das ordens econômica, financeira e social.

O Legislativo estadual, como já visto, é unicameral, sendo exercido pela Assembléia Legislativa, com sede em Natal, Capital do Rio Grande do Norte. A aludida Casa é composta por Deputados, representantes do povo, eleitos por sufrágio universal e voto direto e secreto, conforma preceitua o Texto Maior ao tratar dos direitos políticos.

Sabemos que cada legislatura tem a duração de quatro (4) anos, sendo o número de Deputados à Assembléia Legislativa corresponde ao triplo da representação do Estado na Câmara dos Deputados, isto é, vinte e quatro (24) representantes. O mandato dos Deputados estaduais é de quatro (4) anos.

Ultimando, dentre as atribuições privativas da Assembléia Legislativa, destacamos a que interessa ao presente trabalho, qual seja: a eleição da Mesa Diretora.

5 A INCONSTITUCIONALIDADE DA REELEIÇÃO NA MESA DIRETORA DO LEGISLATIVO ESTADUAL

Na redação originária do § 4.°, artigo 42, da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte, calcado no simetrismo constitucional, o constituinte derivado decorrente reproduziu a norma disposta no § 4.°, artigo 57, da Constituição Federal. Essa trata da eleição da Mesa diretora da Casa legislativa. Assim dispusera em 03 de outubro de 1989, ipsis litteris:

§ 4°. A Assembléia Legislativa se reúne em sessão preparatória, a partir de 1°. de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para dar posse a seus membros e eleger a Mesa, para mandato de dois (2) anos, vedada a recondução, para o mesmo cargo, na eleição imediatamente subseqüente. Grifos do autor

Acontece que, em 28 de abril de 1999, o § 4.°, artigo 42, da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte, foi violentado em total afronta aos princípios norteadores do constitucionalismo e da Constituição Federal. Por meio da Emenda Constitucional de n.° 03, o mencionado dispositivo passou a vigorar com a seguinte redação: “§ 4°. A Assembléia Legislativa se reúne em Sessão Preparatória, a partir de 1°. de fevereiro, no primeiro ano da Legislatura, para dar posse aos seus Membros e eleger a Mesa, para mandato de dois (2) anos, permitida a reeleição”.

Percebe-se que com a atual redação, o constituinte derivado decorrente reformador, possibilitou que o eleito para um cargo da Mesa diretora da Assembléia Legislativa a ser exercido nos dois (2) primeiros anos da legislatura, possa estendê-lo até o término desta por meio de reeleição. Assim, exemplificando, o parlamentar eleito Presidente da Casa para os dois (02) primeiros anos da legislatura poderá ser reconduzido até o término desta, desde que reeleito; destarte, permanecerá a frente da presidência por quatro (04) anos, coincidindo o mandato eletivo com o da direção da Casa.

Parte da doutrina defende que a regra para a eleição da mesa diretora presente no § 4.°, artigo 57, da Constituição Federal, não tem reprodução obrigatória nas Cartas Políticas estaduais, distrital e municipais, podendo o legislador constituinte derivado decorrente tratar da matéria de modo diverso, permitindo a reeleição. Alegam, entre outros, não se constitui princípio constitucional
[3]

Acontece que, como outrora defendido, no esteio de uma interpretação histórico-teleológica, fundada nos princípios da limitação do Poder, no republicano, na supremacia e no simetrismo constitucional, não pode se admitir a reeleição para o mesmo cargo da Mesa diretora, em que pese a autonomia do ente federado, pois, "o poder constituinte decorrente, assegurado às unidades da Federação, é, em essência, uma prerrogativa institucional juridicamente limitada pela normatividade subordinante emanada da Lei Fundamental
[4]". Nesse sentido, resta evidente a inconstitucionalidade do § 4.°, artigo 42, da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte, tendo em vista a reprodução mais do que obrigatória do § 4°, do art. 57, da Constituição Federal.

6 ANÁLISE DA MATÉRIA PELA SUPREMA CORTE

O Supremo Tribunal Federal (STF) já se posicionou por mais de uma vez a respeito da reeleição para Mesa diretora das Casas legislativas em níveis estaduais, distrital e municipal.

Assentou o STF em julgamentos das ADIs n.° 793/RO
[5], 792/RJ[6], 2262/MA[7], 2292/MA[8] e do MS n.° 22.183-6/97, que a regra prevista no § 4.°, artigo 57, da Constituição Federal, não é de reprodução obrigatória nas Constituições estaduais, porque não se constitui princípio constitucional estabelecido.

Com a devida vênia, ouso discordar em gênero, número e grau do posicionamento da Suprema Corte. A aludida interpretação dada foi infeliz, para não dizer estapafúrdia! Não se pode admitir a suposta ausência de princípio constitucional diante de uma interpretação histórico-teleológica, por mais que se fale em autonomia do ente federado, como já vimos. A norma, por si só, é fundada, em especial, nos clássicos princípios da limitação do Poder e republicano atrelados ao princípio democrático, o que impõe a observância do simetrismo diante da supremacia constitucional.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concluímos o presente ensaio sustentando a inconstitucionalidade da norma que possibilita a reeleição, para o mesmo cargo, na Mesa diretora da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Norte (§ 4.°, art. 42, da CERN).

Além disso, conforme visto numa interpretação histórico-teleológica de cunho princípio-axiológico, não subsiste, data vênia, a interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal, que não considera o § 4°, do art. 57, da Constituição Federal, como norma de reprodução obrigatória a ser observada pelo legislador constituinte derivado decorrente.

Ultimando, num Estado republicano não se pode aceitar a perpetuação de um indivíduo no Poder, do contrário, feriríamos no mínimo a moral pública. Não podemos admitir monarquia mascarada! Ao legislador constituinte derivado decorrente foram impostos limites, ou seja, o seu Poder é condicionado, não podendo em hipótese alguma afrontar a lei fundamental. Nesse sentido, é inegável o equívoco da Suprema Corte e a inconstitucionalidade do disposto no § 4º, do artigo 42, da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte.


REFERÊNCIAS

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CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. 11. ed., ver. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

FEREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1995.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional administrativo. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

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SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed., ver. e atual. São Paulo: Malheiros, 2003.


THE REELECTION ON TABLE DIRECTOR FROM LEGISLATIVE ASSEMBLY OF THE RIVER BIG OF THE NORTH

Abstrack:
The ending of the state absolutists if he gave, among another reasons am virtue from introduce from ideology political - judicial constitutionalist what objective the limitation of the be able of the king for half a from Letter Big gun. Inside from this optical, the constituent original Brazilian adopting the shape federative of state, beyond that velour the Legislative the lead back of your members into the same office from table director from she weds am election immediately subsequence (CF, art. 57, § 4°). On editorial staff original of the § 4.°, product 42, from Constitution of the state of the River Big of the North, heel into the symmetry and on supremacy constitutional, the constituent arise from current renders the norm said. For half a from Constitutional amendment of n.° 03/99, the constituent state step the allow the reelection into the same office, the one to she sets up only one flagrant inconstitucionalidade, into the brace from interpretation historical teleological. In this connection, the gift work, sling - if on methodology abstract descriptive tem for scope the awakening from community academic about to discussion above the thematic and, overall, from the legitimates about to the screening constitutional abstract.

Keywords: Table director. Reelection into the same office. Inconstitucionalidade.

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[1] V.g.: Espanha, Colômbia, França e quase todos os países africanos.
[2] V.g.: Alemanha, Austrália, Brasil, Canadá, Emirados Árabes Unidos, Índia, Malásia, México, Nigéria, Rússia, Suíça e os Estados Unidos.
[3] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 374
[4] STF, RDA 201/109. Disponível em: <www.stf.gov.br> Acesso em: 10 abr. 2008.
[5] Informativo n.° 65 do STF. Disponível em: <www.stf.gov.br> Acesso em: 10 abr. 2008.
[6] Informativo n.° 73 do STF.EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. Ataque à expressão "permitida a reeleição" contida no inciso II do artigo 99 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, no tocante aos membros da Mesa Diretora da Assembléia Legislativa. - A questão constitucional que se coloca na presente ação direta foi reexaminada recentemente, em face da atual Constituição, pelo Plenário desta Corte, ao julgar a ADIN 793, da qual foi relator o Sr. Ministro CARLOS VELLOSO. Nesse julgamento, decidiu-se, unanimemente, citando-se como precedente a Representação n 1.245, que "a norma do § 4º do art. 57 da C.F. que, cuidando da eleição das Mesas das Casas Legislativas federais, veda a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subseqüente, não é de reprodução obrigatória nas Constituições dos Estados-membros, porque não se constitui num princípio constitucional estabelecido". Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. (STF, Precedentes, Pleno, ADI 792/RJ, Rel. Min. Moreira Alves, j. 26.05.1997, DJ. 20/04/1997, p. 104). Disponível em: <www.stf.gov.br> Acesso em: 10 abr. 2008.
[7] Informativo n.° 201/2000 do STF. Disponível em: <www.stf.gov.br> Acesso em: 10 abr. 2008.
[8] Op. Cit. 7.

PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA: CAUSAS DE RESOLUÇÃO DE MÉRITO


ARAÚJO NETO, Henrique Batista.




Resumo: O Estado, com base no primado da segurança jurídica, criou mecanismos que tem por finalidade a manutenção da ordem pública e, conseqüentemente da efetivação da paz social, imprimindo certeza às relações jurídicas, contrapondo-se a inércia, a negligência do titular de um direito face ao decurso do tempo. A busca por esta estabilidade justifica a inserção no nosso ordenamento jurídico de institutos extintivos de direitos como a prescrição e a decadência, que ao serem constatados pelo juiz durante a marcha processual, ocasionaram a extinção do feito com resolução de mérito, por meio de uma sentença de mérito ou definitiva que transitada em julgado, produz a coisa julgada material. Neste diapasão, o presente trabalho, fundado na metodologia teórico-descritiva, abordará esta temática de grande importância na aplicação do direito tanto do ponto de vista da norma material quanto instrumental.

Palavras-chave: Prescrição. Decadência. Resolução de mérito.


1 INTRODUÇÃO

O Estado, com base no primado da segurança jurídica, criou mecanismos que tem por finalidade a manutenção da ordem pública e, conseqüentemente a efetivação da paz social, imprimindo certeza às relações jurídicas, contrapondo-se a inércia, a negligência do titular de um direito face ao decurso do tempo. A busca por esta estabilidade justifica a inserção, no nosso ordenamento jurídico, de institutos extintivos de direitos como a prescrição e a decadência.

Os referidos institutos, ao serem pronunciados pelo juiz no desenrolar da marcha processual, desencadeia a extinção do feito com resolução de mérito. Esta temática de extrema importância na aplicação do direito tanto do ponto de vista da norma material quanto instrumental, é objeto de análise do presente trabalho que, funda-se na metodologia teórico-descritiva.

2 O TEMPO COMO FATOR DE LIMITAÇÃO DO EXERCÍCIO DOS DIREITOS

Já preceituava os romanos em um conhecido brocardo: dormientibus non succurrit ius, ou seja, o direito não socorre quem dorme, quem negligencia. Destarte, em singela análise, podemos inferir que o tempo como elemento natural que é, pode tanto criar, como modificar ou extinguir direitos, sendo assim, um fato jurídico natural de grande importância a ser sempre observado pelos homens.

Diante do aludido, com o escopo de evitar as incertezas jurídicas e a instabilidade social, o ordenamento de um Estado tem o dever de limitar o exercício de um direito no tempo, não podendo este ficar pendente indefinidamente. De outro modo, a prerrogativa do titular de fazer valer seu direito deve ficar subordinada ao lapso temporal fixado, em regra, por lei, pois prevalece o interesse público, justificativa para o surgimento de institutos de natureza extintiva como a prescrição e a decadência (VENOSA, 2005).

3 PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA
3.1 Breves relatos históricos


Analisando o passado nos deparamos com a antiga noção de perpetuidade das ações, sendo a prescrição e a decadência, institutos inicialmente estranhos, v.g., ao direito romano. Neste diapasão, nos primórdios, podemos verificar certa proteção à inércia e a negligência dos titulares de direitos violados.

No período ânuo de jurisdição do pretor, surge à necessidade de limitar o exercício do direito de ação no tempo, combatendo assim, a indolência do titular do direito violado, com a distinção entre ações perpétuas e temporárias. Neste sentido, surgiu o instituto da prescrição, conforme Venosa, “como propositura tardia de uma demanda, fora de qualquer questão possessória” (VENOSA, 2005, p. 597), isto é, nas palavras do ilustre civilista Rizzardo, como “um meio de defesa reservado ao possuidor contra terceiros” (RIZZARDO, 2005, p. 615).

Ultimando esta rápida análise histórica, podemos dizer que a prescrição, desde o princípio, sempre esteve mais em voga do que a decadência. Ela se subdividiu em aquisitiva (usucapião) e extintiva. A primeira foi contemplada na Lei das XII Tábuas, sendo reconhecida aos cidadãos e as coisas romanas e, por Justiniano, como forma de aquisição do domínio; já a segunda, surgiu no período de Justiniano como causa de extinção das ações.

Faz-se necessário ressaltar que durante todo este trabalho, trataremos exclusivamente da prescrição extintiva, denominada simplesmente prescrição.

3.2 Direitos subjetivos e potestativos

Para podermos entender e distinguir os institutos da prescrição e da decadência é necessário compreendermos a idéia de direito subjetivo e de direito potestativo. O primeiro diz respeito a uma faculdade atrelada a um dever, concedida pela norma substancial ao titular de um direito violado, fazendo nascer a este, uma pretensão, ou seja, um “poder de exigir uma prestação, um comportamento de outrem” (TEPEDINO; BARBOZA; MORAES, 2004, p. 350). Por exemplo, num contrato de locação de imóvel, o locatário (devedor) se compromete a pagar o aluguel, prestação mensal vencível a cada dia dez (10), ao locatário (credor), mas o direito de exigir a prestação daquele, que configura a pretensão, só nasce no respectivo vencimento, isto é, a cada dia dez (10), se não se verificar o pagamento.

Quanto aos direitos potestativos ou formativos, ou de formação, podemos dizer, que ao contrário dos direitos subjetivos que a pouco nos referimos, estes não fazem nascer pretensões ao respectivo titular, não podendo, portanto, ser lesados, porque são destituídos de deveres. Nas palavras do renomado civilista Amaral, o direito formativo nada mais é do que o direito de “determinar mudanças na situação jurídica de outro sujeito, mediante ato unilateral, sem que haja dever contraposto e correspondente a este poder” (AMARAL, 2006, p. 564). Podemos citar como exemplo, o direito do doador de revogar a doação simples, o do representado de revogar a procuração, e do herdeiro de aceitar ou não a herança, entre outros.

3.3 Conceitos

Conceituar não é tarefa fácil, principalmente quando se trata de institutos jurídicos de tamanha importância como é o caso da prescrição e da decadência. Antes de tudo, devemos ter em mente que, ambos, são de natureza jurídica extintiva de direito, referem-se à matéria de ordem pública e, que, a prescrição está para o direito subjetivo, assim como, a decadência está para o potestativo.

O legislador pátrio, acertadamente, não se preocupou em conceituar os institutos, por ora em análise, tendo em vista que essa tarefa pertence à doutrina. O Código Civil (CC), Lei n. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002, em seu artigo 189, preceitua: “Violado o direito, nasce para o titular à pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206”. Deste dispositivo, pode ser extraído o conceito de prescrição que veremos adiante. Já em relação à decadência, o legislador pátrio apenas disciplinou os princípios atinentes (CC, arts. 207 a 211).

Em relação à prescrição, há três correntes de pensamento que a conceitua, sendo então matéria controvertida no mundo doutrinário. Para a primeira, encabeçada pelos ilustres juristas Caio Mário da Silva Pereira (Instituições, v. 01, 2002, pp. 435-436 apud TEPEDINO; BARBOZA; MORAES, 2004, pp. 349-350) e Eduardo Espínola (Sistema, 2002, p. 621 apud TEPEDINO; BARBOZA; MORAES, 2004, pp. 349-350), em linhas gerais, a prescrição atinge o próprio direito material; por outro lado, para a segunda corrente, defendida por Clóvis Beviláqua (Código civil, p. 458 apud TEPEDINO; BARBOZA; MORAES, 2004, pp. 349-350), Câmara Leal (Da Prescrição, p. 26 apud TEPEDINO; BARBOZA; MORAES, 2004, pp. 349-350), Paulo Nader (Curso, p. 567 apud TEPEDINO; BARBOZA; MORAES, 2004, pp. 349-350), Washington de Barros Monteiro (Curso, pp. 286-287 apud TEPEDINO; BARBOZA; MORAES, 2004, pp. 349-350) e Arnaldo Rizzardo (Parte geral, pp. 566-567 apud TEPEDINO; BARBOZA; MORAES, 2004, pp. 349-350), em outras palavras, a prescrição não atinge o próprio direito material e sim o direito de ação. A terceira e última corrente a qual nos filiamos, e que tem o nobre jurista Humberto Theodoro Júnior como defensor, é inspirada no Direito Alemão (Anspruch, BGB, § 194), sendo a consagração das teorias abstratas do direito de ação, onde a pretensão é objeto da prescrição, restando assim, ao titular do direito, tanto o direito de ação quanto o direito subjetivo ilesos ao transcurso do prazo prescricional (TEPEDINO; BARBOZA; MORAES, 2004). Neste sentido, assevera ainda o saudoso jurista Hélio Tornaghi apud Theodoro Júnior (2006, p. 354):

[...] com a prescrição não desaparece o direito e sim a possibilidade de fazê-lo valer. Também a ação fica de pé, pode ser movida; será inútil para fazer valer o direito, mas terá utilidade de obter uma decisão judicial que espanque dúvidas quanto à prescrição (grifo do autor).

Diante do exposto, podemos conceituar a prescrição como sendo a sanção extintiva da pretensão do titular de um direito violado, imposta pelo ordenamento jurídico, em virtude de sua inércia, negligência quanto à observância do lapso temporal fixado em lei, para exigibilidade de direitos subjetivos patrimoniais disponíveis em juízo.

Coadunando com o aludido, o Supremo Tribunal Federal (STF), conforme menciona a Revista dos Tribunais (RT), STF-RT 732/157 apud Nery Júnior; Nery (2001, p. 367), preceitua:

[...] a prescrição é causa extintiva da pretensão e não do direito abstrato de ação. Por isso, é instituto de direito material, a ela se aplicando a lei do tempo em que teria ocorrido, e não sendo alcançada, portanto, por preceito constitucional posterior, cuja aplicação imediata implica apenas que este alcança os efeitos de fatos passados, e não os fatos já consumados no passado (grifo do autor).

Quanto ao instituto da decadência ou caducidade, sem delongas, podemos conceituá-lo como sendo a perda do próprio direito em sua substância, in casu, os direitos potestativos disponíveis ou indisponíveis, ocasionada pela inércia do titular do direito, diante dos prazos estipulados em lei ou pela convenção, para o efetivo exercício, pois os referidos direitos nasceram com um prazo certo de eficácia.

Por último, em um rápido sobrevôo sobre a classificação das ações, é válido ressaltar que, em suma, as ações condenatórias sujeitam-se à prescrição; às constitutivas à decadência; e, as declaratórias são imprescritíveis. Quanto à decadência, a jurisprudência pátria entende: “Decadência – direitos a ela sujeitos. Os únicos direitos sujeitos à decadência são os potestativos – só as ações constitutivas caducam” (RF 266/213 apud TEPEDINO; BARBOZA; MORAES, 2004, p. 419). Neste sentido, doutrinadores como Paulo Nader, Curso, p. 585; Francisco Amaral, Direito Civil, p. 561; Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Novo Código Civil, p. 120 apud TEPEDINO; BARBOZA; MORAES (2004, p. 419).



3.4 Prazos. Argüição

Fundado na manutenção da paz social, com base na certeza e segurança nas relações jurídicas, os prazos prescricionais, assim como os decadenciais, são de natureza pública, tratando de normas específicas, onde as partes não podem dispor de forma diversa. Eles estão disciplinados em lei, como já dito, não podendo ser alterados pelo titular do direito, sendo, portanto, peremptórios. Os decadenciais também podem surgir de convenção, mesmo assim, face ao interesse público do apaziguamento social, continua sendo também de ordem pública.

Os prazos prescricionais estão previstos na Seção IV, do Título IV, do Livro III da Parte Geral do Código Civil, precisamente nos arts. 205 e 206, podendo ser classificados como: ordinário ou comum e, especiais. O primeiro, mais longo e único, é dez (10) anos, conforme o citado art. 205, primeira parte, e destina-se às ações de caráter ordinário; já os especiais, consoante o retro citado artigo, in fine, referem-se a certos direitos expressamente mencionados. Neste, a lei fixa prazos inferiores a dez (10) anos, como previsto no art. 206, §§ 1º ao 5º, em que são anuais, bienais, trienais, quadrienais e qüinqüenais, sendo graduados de acordo com a natureza do direito. Por exemplo, prescreve em dois (02) anos à pretensão para haver prestação alimentícia, a partir da data em que se vencer (CC, art. 206, § 2º); por outro lado, prescrevem em três (03) anos à pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos ou rústicos; a relativa a ressarcimento de enriquecimento sem causa; e, a relativa à reparação civil (CC, art. 206, § 3º, I, IV e V).

Ademais, é válido ressaltar que a exceção prescreve no mesmo prazo que a pretensão (CC, art. 190); e ainda, que, estes prazos referem-se ao exercício de direitos patrimoniais disponíveis, pois os indisponíveis, como, por exemplo, os direitos da personalidade (o direito à vida, à honra, à imagem, ao nome e etc.), de família (o direito a alimentos, à filiação e etc.), e de estado (o direito à ação de separação judicial e etc.), são imprescritíveis.

A prescrição começa a correr no momento em que nasce o direito de exigir (pretensão) a reparação do dano; e, iniciada contra uma pessoa continua a correr contra o seu sucessor (CC, art. 196), no entanto, há causas que impedem, suspendem ou interrompem a contagem do prazo prescricional.

As causas que impedem a contagem do prazo prescricional independem da vontade humana, sendo fatos objetivos previstos em lei que se tornam verdadeiros obstáculos a abertura do prazo, v.g., não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes (CC, art. 198, inciso I).

A suspensão, nada mais é do que a cessão temporária do prazo prescricional em curso, onde com o fim do óbice que a causou, o prazo é recontado, com inclusão do já computado. Por exemplo, no caso de pendência de ação de evicção, o prazo de pretensão que dependa de efeitos do desenrolar da citada demanda, é suspenso até o fim da lide, sendo novamente aberto ao fim desta, e recontado com inclusão do prazo já decorrido até o momento da propositura da ação. Por último, quanto à interrupção, podemos dizer que é causada por fatos subjetivos, ou seja, a sua ocorrência depende da vontade humana, podendo ser feita por qualquer interessado. Esta pode ocorrer apenas uma vez e, é responsável pelo impedimento do fluxo normal do prazo, ocorrendo a inutilização do já em curso, isto é, com o fim da interrupção, abre-se um novo prazo sem descontar o tempo anteriormente decorrido. Podemos citar o protesto cambial como causa de interrupção da prescrição.

Ultimando a análise dos prazos prescricionais, podemos dizer que estes encobrem a eficácia da pretensão, pois atendem à conveniência do ordenamento jurídico, não perdurando por demasiado tempo à exigibilidade (MIRANDA, 1998).

Quanto à argüição da prescrição, é pacífico que pode ser realizada em qualquer grau de jurisdição, desde que sempre pela parte a quem aproveita, “a menos em recurso extraordinário no STF” (WASHINGTON, Curso de direito civil, 1997, p. 286 apud Amaral, 2006, p. 570). Além disso, ela pode ser renunciada expressa ou tacitamente, em casos que não prejudiquem terceiros depois que a mesma se consumar (CC, art. 191 e 193).

Em relação aos prazos decadenciais, ao contrário dos prescricionais, podemos dizer que estão espalhados, constantes nos institutos específicos, tanto na parte geral como na especial do Código Civil. Eles atingem tanto os direitos potestativos disponíveis como os indisponíveis. Por último, são originados também pelas convenções, além, de ditos fatais, pois não estão sujeitos a causas de impedimento, suspensão ou interrupção do prazo. São exemplos de prazos decadenciais os previstos nos arts. 179, 445, 501, 504, 505, 512, parágrafo único do art. 513, 516, 550, 554, 559, 1.481, 1.555, 1.560, §2º do 1.560, 1.614, parágrafos único do art. 1.815 e do 2.027, todos do Código Civil.

Por fim, a decadência estabelecida em lei deve ser conhecida de ofício pelo magistrado, por outro lado, quando convencional, deve ser argüida em qualquer grau de jurisdição pela parte a quem aproveita, não podendo o juiz suprir a alegação. Ademais, ao contrário da prescrição, “é nula a renúncia à decadência fixada em lei” (CC, arts. 209 a 211).

4 RESOLUÇÃO DE MÉRITO
4.1 Considerações


Na divisão das funções estatais, com base no princípio da separação dos poderes, coube ao Poder Judiciário a função jurisdicional, ou seja, o poder de dizer o direito. Do exercício desta função típica, ao Judiciário foi atribuída a difícil tarefa de compor os litígios, através de um processo, meio dinâmico e complexo que surge com a iniciativa da parte que vê seu direito sendo lesado ou ameaçado, conforme os princípios da demanda e da indeclinabilidade ou acesso à justiça. O cidadão busca a tutela jurisdicional, através da ação – mecanismo hábil ao rompimento da inércia típica do judiciário –, que é posta na sentença de mérito ou na satisfação do credor.

Com a petição inicial e após a citação válida, forma-se a tríade processual, onde o autor (pretensão) e o réu (resistência) se encontram no mesmo pé de igualdade, estando o juiz, representando a soberania do Estado, diante do caráter substitutivo, acima das partes numa posição eqüidistante durante toda a marcha processual. Neste diapasão, eventualmente, pode ocorrer o que Carnelutti denomina “crise do processo”, que são obstáculos que impede momentânea ou definitivamente que a relação processual prossiga, causando suspensão ou extinção prematura do feito com ou sem resolução de mérito. Dentre estes obstáculos, podemos citar a prescrição e a decadência, como óbices definitivos.

4.2 Resolução de mérito. Sentença. Extinção do feito

O mérito da causa é o pedido formulado pelo autor na petição inicial. Neste sentido, extingue o feito com resolução de mérito sempre que algo atingir o direito material, a pretensão do autor, ressalvada sempre a fiel observância ao devido processo legal. Para o magistério de Liebman, prescrição e decadência é matéria de mérito, sendo assim, no exame do mérito da causa, torna-se natural afirmar que ambos os institutos estão ligados ao perecimento do direito material, e não ao poder de ação (CÂMARA, 2004).

No desencadeamento da marcha processual, acreditamos que o momento oportuno para o magistrado analisar a incidência tanto da prescrição como da decadência, é na fase saneatória do feito, logo após o fim do prazo de resposta do réu, pois é nesse momento que devem ser adotadas as providências preliminares. No caso da prescrição, se tratar de direitos não patrimoniais, consoante o § 5° do art. 219, do CPC, deve o juiz decretar de ofício, assim como também, em caso de direito patrimonial, se favorecer a pessoa absolutamente incapaz. Nos demais casos de direito patrimonial, deve o interessado invoca-la, desde que seja beneficiado. Quanto à decadência, o juiz, deve decretá-la de ofício, salvo no caso de prazo convencionado, onde é necessária a alegação.

Com fulcro no dito acima, a prescrição e a decadência não são condições da ação nem pressupostos processuais, e sim, preliminares de mérito. O juiz, antes de realizar a análise da matéria de fundo, deve analisar a presença ou não dos citados institutos e, uma vez pronunciando-os, desde logo rejeitará o pedido, no estado em que o processo estiver, independentemente do exame dos demais fatos e provas dos autos. Neste sentido, desaparece qualquer sentido em julgar o pedido, mesmo assim, haverá resolução de mérito, findando-se com a sentença definitiva, de natureza condenatória quanto à prescrição e, constitutiva quanto à decadência que, após o trânsito em julgado, se encobre com o manto da coisa julgada material, tornando a decisão indiscutível e imutável quanto a matéria analisada, salvo em caso de ação rescisória ajuizada antes de passados dois (02) anos da decisão.

Finalizando, num rápido sobrevôo, devemos lembrar que com a vigência da Lei n. 11.232, de 22 de dezembro de 2005, o art. 269, caput, do Código de Processo Civil (CPC), que preceituava: “extingue-se o processo com julgamento de mérito:”, sofreu uma considerável alteração na sua redação para adapta-se a tão discutida reforma do nosso processo civil. O citado dispositivo, atualmente, preceitua: “Haverá resolução de mérito: [...] IV – quando o juiz pronunciar a decadência ou a prescrição”, destarte, deixou a solução do mérito de ser vista como causa necessária a extinção do feito, consoante o princípio do sincretismo processual. Este princípio dividiu o processo em fases - a de cognição e a executiva -, eliminando, conseqüentemente, a ação autônoma de execução de sentença condenatória, salvo os casos de sentença estrangeira, arbitral e penal condenatória transitada em julgado. Assim, na própria relação processual em que se decidiu sobre o mérito, inicia-se a execução do título judicial por meio de um procedimento simplificado de cumprimento de sentença, tornando assim, o julgamento de mérito apenas uma etapa do procedimento. Na atual fase do processo civil brasileiro, resta dizer que a sentença é, porém, - fora dos casos de condenação -, o último ato jurisdicional antes do encerramento da relação processual de conhecimento. Por fim, é válido ressaltar que, mesmo sendo, a sentença definitiva que pronuncia a prescrição resolvendo o mérito, de natureza condenatória, ocorrerá a extingue do feito desde logo, pois não se pode continuar numa relação jurídica processual, onde o direito material já pereceu.

Corroborando a óptica abordada, para finalizar, colacionamos, a seguir, decisões proferidas pelo Colendo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJ/RS):

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. AÇÃO ANULATÓRIA. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. ANULAÇÃO DE ATOS TRANSLATIVOS DE PROPRIEDADE. ALEGAÇÃO DE SIMULAÇÃO NA FORMAÇÃO DO CONTRATO. DECADÊNCIA DO DIREITO. PRAZO. TERMO INICIAL. 178, § 9º, INCISO V, DO CCB/1916. É de decadência o prazo para anular negócio jurídico realizado com vício de consentimento, cujo termo a quo, na hipótese, iniciou-se com o registro do contrato que se objetiva nulificar. Os prazos prescricionais apanham apenas os direitos subjetivos sujeitos a uma violação, presumindo-se um direito substantivo já exercido pelo titular, já transformado em ato, e que foi objeto de resistência por outrem. Os prazos decadenciais, por outro lado, porque o direito do titular existe apenas em potência, não em ato, alcançam os direitos subjetivos não sujeitos a uma violação, chamados faculdades, bem como não possuem causas suspensivas ou interruptivas. Prazo decadencial que não se sujeita às causas suspensivas e interruptivas aplicáveis à prescrição. Reconhecida a decadência, extingue-se o processo, com resolução de mérito. RECURSO DESPROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível n. 70014207757, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 30/03/2006) grifo do autor.

EMENTA: AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO OBRIGATÓRIO DPVAT. EVENTO MORTE. PRETENSÃO FULMINADA PELA PRESCRIÇÃO. PRAZO TRIENAL DECORRIDO ENTRE O MARCO INTERRUPTIVO DA PRESCRIÇÃO QUE FINDOU COM O PAGAMENTO PARCIAL E A PROPOSITURA DA DEMANDA. EXTINÇÃO DO PROCESSO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, DE OFÍCIO. (TJRS. Recurso Cível n. 71001189745, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Mylene Maria Michel, Julgado em 24/01/2007)

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de toda a exposição, concluímos a abordagem material e instrumental sobre os institutos da prescrição e da decadência, ressaltando a grande importância deles face à necessidade de certeza, de segurança nas relações jurídicas e, conseqüentemente, de apaziguamento do seio social em contraposição aos conflitos de interesse.

Por fim, conforme foi visto, a presença desses institutos de natureza extintiva no ordenamento jurídico de um Estado, se faz necessário, pois é de interesse público o combate às incertezas jurídicas e a instabilidade social. Neste sentido deve-se limitar o exercício de um direito no tempo, pois este não pode ficar pendente indefinidamente, sendo assim, à extinção prematura do feito nos casos de prescrição e decadência, mediante sentença definitiva que resolve o mérito, é extremamente salutar para manutenção da ordem pública.


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Artigo publicado na Revista In Verbis, Ano XII, 22 Ed. UFRN: Natal/RN, 2007 (ISSN: 1413-2605).