domingo, 14 de dezembro de 2014

JVDFM PODE JULGAR EXECUÇÃO DE ALIMENTOS POR ELE FIXADOS

É de lição basilar que os alimentos são fixados, revisados e exonerados perante às Varas de Família, ou nas Cíveis ou únicas que acumulem a competência típica da especializada, salvo em se tratando de alimentos com base na "Convenção sobre a Prestação de Alimentos no Estrangeiro" (Convenção de Nova York), cuja competência é da Vara Federal da Capital da Unidade Federativa em que reside o devedor (Lei n. 5.478/68, art. 26).

Doutra banda, sabe-se que a Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/06), em seu art. 14, estabelece que os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (JVDFM) são órgãos de competência mista, criminal e cível, e poderão ser criados para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Pois bem. Como o legislador deixou de especificar as causas que não se enquadrariam na competência cível dos JVDFM, o STJ entendeu, no julgamento do Recurso Especial n. 1.475.006-MT, da relatoria do ministro Moura Ribeiro, que tais órgãos têm competência para julgar a execução de alimentos que tenham sido fixados a título de medida protetiva de urgência, em favor de filho do casal em conflito.

Em suas razões de decidir, conforme extraído de Informativo, assentou a Corte que: “[...] da literalidade da lei, é possível extrair que a competência desses juizados compreende toda e qualquer causa relacionada a fato que configure violência doméstica ou familiar e não apenas as descritas expressamente na referida lei. E assim é, não só em razão da lei, mas também em razão da própria natureza protetiva que ela carrega, ou seja, é a sua naturalia negotii.”

Diante disso, verifica-se que, além dos juízos típicos aludidos, os alimentos também poderão ser fixados pelo JVDFM, inclusive, liminarmente, com natureza de provisionais, assim como por ele executados, sempre que configurada a violência doméstica ou familiar que justifique a concessão de medida protetiva de urgência.

Por fim, é salutar esclarecer que nas Comarcas que inexistem o JVDFM, o juízo criminal competente para aplicar a Lei Maria da Penha não pode fixar nem executar alimentos, cabendo essa competência às Varas de Família ou Cíveis, onde não houver a especializada.

STJ ADMITE A ADOÇÃO DE NETO POR AVÓS ANTE A IDENTIFICAÇÃO DO VÍNCULO SOCIOAFETIVO

Sabe-se que o §1º do art. 42, do ECA, veda a adoção por ascendentes. Destarte, em regra, avós não podem adotar netos. Com isso, o legislador ordinário buscou evitar interesses patrimoniais e/ou assistenciais, bem como eventual confusão mental e patrimonial decorrente da transformação dos avós em pais, ou seja, do comprometimento da ordem natural existente entre parentes.

Acontece que, deve-se reconhecer que as estruturas familiares se encontram em plena mutação, estando a legislação longe de alcança-las. Isso ficou bem evidenciado no caso analisado pelo STJ, no âmbito do Recurso Especial n. 1.448.969/SC, da relatoria do ministro Moura Ribeiro. Em resumo, eis as suas particularidades descritas em Informativo da Corte: 
os avós haviam adotado a mãe biológica de seu neto aos oito anos de idade, a qual já estava grávida do adotado em razão de abuso sexual; os avós já exerciam, com exclusividade, as funções de pai e mãe do neto desde o seu nascimento; havia filiação socioafetiva entre neto e avós; o adotado, mesmo sabendo de sua origem biológica, reconhece os adotantes como pais e trata a sua mãe biológica como irmã mais velha; tanto adotado quanto sua mãe biológica concordaram expressamente com a adoção; não há perigo de confusão mental e emocional a ser gerada no adotando; e não havia predominância de interesse econômico na pretensão de adoção.”

Pois bem, em hermenêutica concretista, típica de um juiz pro ativo (ou social), aduziu o relator que, à luz da proteção integral à criança e ao adolescente, bem como da condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento (ECA, art. 1º e 6º), cuja garantia do melhor interesse deve ser observada, em efetivação ao princípio da dignidade da pessoa humana, “não cabe mais ao Judiciário fechar os olhos à realidade e fazer da letra do § 1º do art. 42 do ECA tábula rasa à realidade, de modo a perpetuar interpretação restrita do referido dispositivo, aplicando-o, por consequência, de forma estrábica e, dessa forma, pactuando com a injustiça”.

Com efeito, apreciando o pleito de adoção formulado, o STJ concluiu pela mitigação do disposto no § 1º do art. 42 do ECA, sob o argumento de que o mesmo objetiva alcançar situação distinta da referida no caso enfrentado. Assim, a Corte acabou por admitir, excepcionalmente, a adoção de neto por avós, tendo em vista a necessária regularização da filiação socioafetiva identificada. 

NOVO PRAZO PRESCRICIONAL PARA COBRANÇA DAS CONTRIBUIÇÕES NÃO RECOLHIDAS PARA O FGTS

É cediço que a Lei do FGTS (Lei n. 8.036/90), em seu art. 23, §5º, assim como o Decreto regulamentador (Decreto n. 99.684/90), em seu art. 55, caputinstituíram o prazo prescricional de 30 anos para cobrança de valores não depositados no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), respeitado o prazo de dois anos após o término do contrato de trabalho para a propositura da ação trabalhista, consoante inciso XXIX, do artigo 7º, da Constituição da República.

No mesmo sentido é o enunciado da Súmula n. 362 do TST, que prescreve: “É trintenária a prescrição do direito de reclamar contra o não-recolhimento da contribuição para o FGTS, observado o prazo de 2 (dois) anos após o término do contrato de trabalho”.

Ocorre que, recentemente, no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo ARE 709.212/DF, com Repercussão Geral, de relatoria do ministro Gilmar Mendes, por maioria, o Tribunal Pleno do STF entendeu ser inconstitucional e, portanto, inválidas as aludidas regras na parte em que fixam o prazo prescricional trintenário para o FGTS, haja vista violarem o disposto no art. 7º, XXIX, da Constituição da República.

E qual seria o prazo?

Para o Pretório Excelso o prazo prescricional para a cobrança das contribuições não recolhidas para o FGTS é quinquenal, observado o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho, tudo conforme reza o disposto no art. 7º, XXIX, da Constituição da República. Com isso, restou prejudicado o enunciado da Súmula n. 362 do TST.

Por derradeiro, frise-se que o STF, em modulação dos efeitos, atribuiu a decisão efeito ex nunc (não retroativos). Assim, acabou por firmar entendimento no sentido de que os casos cujo termo inicial da prescrição (ausência de depósito no FGTS) ocorra após a data do julgamento (13.11.2014), aplica-se, desde logo, o prazo de cinco anos. Já para os casos em que o prazo prescricional já esteja em curso, aplica-se o que ocorrer primeiro: 30 anos, contados do termo inicial, ou cinco anos, a partir do julgamento referido (13.11.2014), tudo nos termos do voto do relator.

sábado, 26 de julho de 2014

O PARÁGRAFO DA “GAVETA” NA EMENDA À CONSTITUIÇÃO ESTADUAL




Por Henrique Batista

Após quase 25 anos de sua promulgação, a Constituição do nosso estado passou por recente e profunda emenda sob o pretexto de atualização e compatibilidade com a Constituição Federal, o Texto Maior.
Dentro das inovações perpetradas pela Assembleia Legislativa, um parágrafo do seu texto, prima facie, me casou estranheza. Isso porque, além do aparente desrespeito as técnicas de boa redação previstas no artigo 11 da Lei Complementar Federal n. 95/98, os conceitos indeterminados e imprecisos utilizados proporcionam amplitude interpretativa que pode conduzir a desfecho perigoso, aonde, me parece, quis o legislador reformador chegar.
Estou falando do parágrafo terceiro do artigo 53, da Constituição Estadual, alterado pela Emenda Constitucional n. 13, de 15 de julho de 2014, publicada no DOE 16.07.2014. Eis a sua integral redação: “§3º. As decisões do Tribunal de Contas, de que resulte imputação de débito ou multa, têm eficácia de título executivo, devendo a Fazenda Pública Estadual ou Municipal, no âmbito de suas competências, encaminhá-las para execução, e com o reconhecimento da boa-fé, a liquidação tempestiva do débito ou multa atualizado monetariamente sanará o processo, se não houver sido observada outra irregularidade na apreciação das contas”.
Metade do texto referido, em especial, até a palavra “execução”, preceitua o lógico ao nosso sistema, inclusive já presente no texto originário, ou seja, que as decisões do Tribunal de Contas transitadas em julgado – não mais admitem recurso no âmbito administrativo –, que obriguem gestores responsáveis por danos ao erário a ressarcir o débito respectivo, assim como a pagar multas em virtude da prática de irregularidades formais, formam títulos executivos. Por consectário, as obrigações constituídas terão o seu cumprimento exigido no Judiciário pela Procuradoria da Fazenda Pública credora, acaso não haja o cumprimento voluntário pelo responsável.
O trecho final do parágrafo, por sua vez, ao que me parece, possibilita a tomada de uma solução esdrúxula que põe em risco o trabalho e a eficácia das decisões do Tribunal de Contas. É que, encaminhada a decisão do Tribunal de Contas para execução, caso o responsável efetue o pagamento voluntário (“com o reconhecimento da boa-fé”) do débito atualizado relativo ao dano ao erário cometido e/ou da multa, o processo, seja ainda no âmbito administrativo da Procuradoria representativa da Fazenda Pública Estadual ou Municipal, ou até mesmo judicial, se “sanará”.
Neste prisma, é imperioso registrar que o cumprimento voluntário ou não das obrigações enseja apenas a extinção do processo executivo, seja na esfera administrativa ou judicial. Assim, juridicamente, não há de se falar em extinção da irregularidade. Com isso, à luz da independência entre as instâncias, nada impede a apuração da conduta do gestor no âmbito criminal e cível, neste último no tocante à improbidade administrativa. Além disso, não há óbice em considerar a irregularidade para fins de restrição eleitoral, haja vista a possível configuração de inelegibilidade, cuja competência declaratória é da Justiça Eleitoral, e não do Tribunal de Contas, como consignado no parágrafo sétimo do artigo 53, da Constituição Estadual, também inserido pela emenda em questão.
Ocorre que a expressão “sanará o processo” remete a ideia de cura. Logo, teremos a superação da irregularidade que ensejou o débito, caso adimplido. Sendo assim, ao menos em tese, será possível esvaziar o trabalho do controle externo exercido pelo Tribunal de Contas, no combate aos maus gestores. Isso porque, bastará o pagamento para que irregularidade já considerada “insanável” torne-se sanada. Desta feita, evita-se que o nome do gestor seja inserido, por exemplo, na lista de gestores com contas rejeitadas por irregularidade insanável – comumente e erroneamente denominada de “lista de inelegibilidade” –, o que facilitará o registro de candidaturas de quem não pode ser votado.
Diante disso, não obstante a provável inconstitucionalidade, acredito ser necessário rever tal disposição, pois, do contrário, abrir-se-á espaço no sistema que pode acomodar uma “gaveta” prejudicial à democracia e aos valores republicanos.
Natal, 23 de julho de 2014.

Henrique Batista é Mestre em Direito pela UFRN, Professor de Direito do UNI-RN e do IAP Cursos, Assessor de Gabinete no TCE/RN, e Advogado.