sábado, 9 de junho de 2012

COMENTE ILEGALIDADE E CAUSA DANO MORAL A OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE QUE SUSPENDER O ATENDIMENTO AO USUÁRIO COM BASE EM "SIMPLES ATRASO" NO PAGAMENTO DA MENSALIDADE


O direito à saúde é de ordem fundamental e social, estando intimamente atrelado à vida e a dignidade da pessoa, conforme disposições da Constituição da República. No Brasil, os cidadãos em geral dispõem gratuitamente do calamitoso serviço público de saúde prestado pelos entes federados, consoante gestão do SUS. Por outro lado, para quem pode pagar e busca a garantia de um serviço pouco melhor, existe o sistema privado que suplementa o público, através dos famigerados planos de saúde operados por sociedades empresariais e cooperativas.

No nosso país a iniciativa privada presta serviço de saúde por meio de delegação do Poder Público. Em razão disso fora criada uma autarquia especial denominada de Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) a fim de regulamentar e fiscalizar o setor, a partir das prescrições normativas da “Lei Geral dos Planos Privados de Saúde” (Lei n° 9.656/98). Com efeito, podemos dizer que o mercado de saúde suplementar no Brasil é regulado e as operadoras de planos de saúde estão submetidas, em especial, a referida lei e a atuação da ANS.

Como se percebe qualquer pessoa pode ser usuária de um plano privado de saúde. Para isso basta celebrar contrato com operadora integrante do mercado especializado. Essa garantirá ao usuário, conforme plano contratado e regulamentado pela ANS, os produtos e serviços médicos, hospitalares, clínicos, laboratoriais em geral, dentre outros, por meio de rede própria e/ou credenciada. Para tanto, faz-se necessário o pagamento de mensalidade, cujo valor é fixado conforme o plano escolhido e a idade do usuário, admitindo reajuste anual autorizado pela ANS, bem como, quando há mudança de faixa etária.

Neste esteio, incorrendo o usuário em “simples atraso” no pagamento da mensalidade do plano de saúde pode a operadora suspender a prestação dos serviços? A resposta é negativa, conforme razões que segue.

Em solução a indagação em questão o inciso II, do parágrafo único, do art. 13, da Lei n° 9.656/98, dispõe que o “simples atraso” do usuário no pagamento da mensalidade não autoriza a operadora credora a suspender os serviços do plano de saúde daquele. O atraso que desencadeia a suspensão no atendimento deve ser superior a 60 dias, sejam consecutivos ou não, nos últimos 12 meses de vigência do contrato. Mas só isso não basta. A lei, em vedação a suspensão automática, prescreve que o usuário devedor deve ser comprovadamente notificado até o quinquagésimo dia da inadimplência, respeitando-se, portanto, os princípios da transparência e da harmonia na relação de consumo, além da boa-fé objetiva e o dever anexo de informar, associado a não surpresa da suspensão dos essenciais serviços de saúde.

E diante de eventual violação as regras apontadas, ocorrendo, por conseguinte, a indevida suspensão dos serviços de saúde pela operadora, há dano moral? Aqui, seguindo entendimento jurisprudencial, a resposta deve ser afirmativa.

Apreciando situação idêntica a questão posta, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) declarou a abusividade e a nulidade de cláusula prevista em contrato de plano de saúde que autorizava a operadora a suspender o atendimento em razão do atraso de pagamento de uma única parcela pelo usuário. No caso o STJ foi mais além e considerou como ilícita e caracterizadora de dano moral a referida conduta, conforme facilmente se extrai do acórdão do REsp 259263/SP, da relatoria do ministro Castro Filho, julgado de maneira unânime pela 3ª Turma, em 02/08/2005, e publicado no Diário da Justiça em 20/02/2006, página 330. Registre-se, ainda, que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte comunga com o entendimento do STJ. É o que se depreende do acórdão da Apelação Cível n° 2010.015694-4, da relatoria do Juiz de Direito convocado Herval Sampaio, julgado a unanimidade pela 1ª Câmara Cível, em 17/05/2011.

Enfim, conclui-se que a suspensão do atendimento e, consequentemente, dos serviços de plano de saúde, praticada por operadora com base em “simples atraso” do usuário no pagamento da mensalidade deve ser considerada ilegal e causadora de dano moral, garantindo ao prejudicado o restabelecimento dos serviços e o direito à indenização.

A VAGA É DA OAB!


Com a aposentadoria do Desembargador Caio Alencar do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte (TJRN) uma disputa institucional foi travada. É que aquele, como membro da carreira do Ministério Público do Estado Rio Grande do Norte (MPRN), ocupava uma das vagas do famigerado “quinto constitucional”. Sobre o assunto, o art. 94, da Constituição da República, prescreve que um quinto do Tribunais dos Estados, no caso, o TJRN, será composto de membros do Ministério Público, com mais de 10 anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e reputação ilibada, com mais de 10 anos de efetiva atividade profissional.

Como a Constituição do Estado do Rio Grande do Norte criou 15 vagas de desembargadores para o TJRN, seguindo a regra do quinto constitucional, 3 delas são obrigatoriamente preenchidas por membros oriundos do MPRN e da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Rio Grande do Norte (OAB/RN).

Atualmente, na composição do TJRN temos a Desembargadora Judite Nunes como representante do MPRN e o Desembargador Cláudio Santos pela OAB/RN. Assim, com quem ficará a terceira vaga aberta com a aposentadoria do Desembargador Caio Alencar? MPRN ou OAB/RN?

O MPRN defende que a vaga é fixa e pertence em definitivo à instituição, assim como é a vaga destinada à OAB/RN ocupada pelo Desembargador Cláudio Santos. Seguindo este raciocínio, a vaga do rodízio seria apenas a ocupada pela Desembargadora Judite Nunes. A OAB/RN, por sua vez, advoga que para manter a paridade deve haver um rodízio entre as instituições, e como o MPRN passou anos com as duas cadeiras, agora é a vez do advogado.

Como se percebe, o art. 94 referido acima não soluciona a questão em análise. A solução está no §2° do art. 100, da Lei Complementar n° 35/79 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional - LOMAN) que dispõe que nos Tribunais em que for ímpar o número de vagas destinadas ao quinto constitucional - caso do TJRN - uma delas será, alternada e sucessivamente, preenchida por advogado e por membro do Ministério Público, de tal forma que, também sucessiva e alternadamente, os representantes de uma dessas classes superem os da outra em uma unidade. Nesta esteira, resta claro que tendo o MPRN superado a OAB/RN por um bom tempo, agora chegou a vez desta o superar.

Para por termo ao debate, apreciando idêntica questão por duas vezes, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela incidência da regra da LOMAN, conforme razões facilmente extraídas do MS 20.597/DF, da relatoria do então ministro Octavio Gallotti, julgado em 22/10/1986 e publicado no Diário da Justiça em 05/12/1986; e do MS 23.972/DF, da relatoria do também então ministro Carlos Velloso, julgado em 12/9/2001 e publicado no Diário da Justiça em 29/8/2003.

Em arremate, seguindo entendimento do STF, ocorrendo vaga a ser preenchida pelo quinto constitucional e uma das classes se achar em inferioridade na composição do Tribunal, inverter-se-á a situação: a classe que se achava em inferioridade passa a ter situação de superioridade, atendendo-se, destarte, ao princípio constitucional da paridade entre as duas classes, Ministério Público e advocacia.
              
               Diante de tais considerações a disputa institucional local e em curso se mostra infundada. Enfim, tendo a OAB/RN uma cadeira no TJRN, agora deve passar a duas.

sábado, 28 de abril de 2012

DAS TUTELAS DE URGÊNCIA NO PROJETO DO NOVO CPC


INTRODUÇÃO

Dentre as garantias constitucionais do processo temos o acesso à justiça. Esta, por sua vez, materializa-se pelo exercício do direito de ação que assiste a todo cidadão e visa um provimento jurisdicional do Estado-juiz, a fim de pacificar um conflito.

Ocorre que a resposta jurisdicional quanto ao direito material, inevitavelmente, deve passar por uma sistemática lógica de aplicabilidade do Direito denominada procedimento. Este é inerente a um processo ou instrumento, por meio do qual se solução a lide. Assim, podemos dizer que associada à citada garantia temos o devido processo legal na vertente material e adjetiva.

Assim, é fato que a prestação jurisdicional implica tempo e que nem sempre este pode ser esperado pela parte. Por esta razão, ou seja, pela necessidade de um agir jurisdicional antecedente que vise preservar o bem da vida e evitar o perecimento de direito, surgiu à técnica procedimental denominada de tutela ou provimento jurisdicional urgente.

Nesta rota, o simplório ensaio visa analisar as tutelas de urgência na sistemática atual do CPC, comparando-as com o que vem sendo trabalhado no projeto do novo CPC.

1 DAS TUTELAS DE URGÊNCIA: CONCEITO, ESPÉCIES, OBJETOS, REQUISITOS E PEDIDO

1.1 Conceito

Por tutela se entende proteção. Já urgência a situação fática que requer uma intervenção imediata. Para o Direito e, sobretudo, o processual, tutela ou provimento, em sentido amplo, significa proteção do direito material. Assim, configura-se uma resposta de plano do Estado-juiz, ou seja, antes do provimento final, do término do feito, o demandante já pode ter uma manifestação judicial em torno do seu pleito, em verdadeira cognição sumária, ante as implicações fáticas postas. Em outras palavras, a tutela jurisdicional urgente é a providência imediata e efetiva de entrega do bem da vida ou do acautelamento deste.

Para Sampaio Júnior, tutelas de urgência seriam “todas aquelas medidas que são concedidas no decorrer do processo, em especial no seu início, tendo como premissa a questão do perigo de ineficácia da tutela em razão de uma emergência[1]. Com efeito, são verdadeiros mecanismos de sumarização, na perspectiva de que para garantir o bem da vida exigi-se o necessário respeito à tempestividade.

Saliente-se que, não obstante serem materializadas em decisão interlocutória, a jurisprudência passou a admitir a concessão de tutela de urgência em sentença, ou seja, na fase final do procedimento. Contudo, temos que convir que tal proceder acaba comprometendo o propósito dos provimentos liminares e, até mesmo, a garantia do acesso à justiça e da razoável duração do feito.

1.2 Espécies e Objetos

As tutelas de urgências ou provimento liminar é gênero do qual são espécies a tutela satisfativa e a tutela de segurança. A primeira tem como subespécies a tutela antecipada genérica, a específica e a inibitória; já a segunda há apenas a tutela cautelar.

No provimento liminar de natureza satisfativa, ao contrário da tutela de segurança, ocorre à antecipação do bem da vida ante a quase certeza do direito percebida pelo juiz em sua análise sumária inicial. Na tutela de segurança o que se tem na aferição do magistrado é mera aparência do direito, visando o provimento apenas assegurar, proteger o direito que será objeto de demanda cognitiva ou satisfativa, sem que haja antecipação do bem da vida.

1.3 Requisitos

1.3.1 Da Tutela Antecipada Genérica

A tutela antecipada genérica (CPC, art. 273 e §§) somente deve ser concedida, parcial ou totalmente, quando houver requerimento da parte[2] e a configuração de todos os requisitos legais autorizadores, quais sejam: verossimilhanças das alegações autorais; provas inequívocas; fundada receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou abuso do direito de defesa; e, reversibilidade da medida.

Por verossimilhança das alegações autorais entende-se a quase certeza do que está sendo posto para apreciação. Seria a plausibilidade ou probabilidade do reconhecimento do direito e da entrega do bem da vida ao final do procedimento. Para tanto, tem-se por indispensável às provas inequívocas ou pré-constituídas, ou seja, aquelas que aclarem, de plano, a controvérsia da lide, não proporcionando dúvida ao julgador ou, se persistirem, que sejam residuais.

Quanto ao fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação tem-se a situação fática posta para apreciação do Juízo com as devidas provas do dano ou do risco deste. Por outro lado, mesmo que tal circunstância não seja configurada pode o magistrado antecipar a tutela se restar evidente o abuso do direito de defesa por parte do réu, em vilipêndio as regras inerentes a lealdade processual ante a provocação de incidentes manifestadamente infundados e a resistência injustificada ao andamento do feito, em situações processuais protelatórias.

Ademais, deve ser reversível a medida a conceder, ou seja, a revogação ou a cassação do provimento liminar não pode compromete substancialmente os fatos, podendo retornar ao status quo ante.

1.3.2 Da Tutela Antecipada Específica e Da Inibitória

A tutela antecipada específica (CPC, art. 461 e §§), por sua vez, ocorre quando a ação tem por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou a entregar coisa certa, ou seja, que visa a execução forçada de uma conduta positiva do devedor inadimplente, seja com o fato ou a coisa. Para a concessão desta basta ser relevante o fundamento da demanda e existir justificado receio de ineficácia do provimento final (§3°).

De igual modo, temos a tutela antecipada inibitória quanto aos requisitos autorizadores, havendo distinção apenas quanto à natureza da obrigação a qual visa o cumprimento forçado, qual seja: obrigação de não fazer ou negativa, isto é, o respeito à abstenção ajustada.

1.3.3 Da Tutela Antecipada de Evidência

Para doutrina o § 6° do art. 273, do CPC, trata de uma tutela antecipada diferenciada das demais, cognominando-a de tutela de evidência. Assim, em situações em que existe um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso, pode o juiz conceder a tutela antecipada sem a necessidade da análise dos outros requisitos autorizadores do provimento liminar satisfativo. Por oportuno, assente-se que, por ser incontroverso, a solução provisória passa a ser definitiva.

1.3.4 Da Tutela Cautelar

No tocante à segurança temos a tutela cautelar. Esta é concedida quando configurado o fumus boni in iure ou fumaça do bom direito, que diz respeito à mera aparência do direito que será discutido no feito principal; e o perriculum in mora ou perigo da demora, que se refere ao risco de dano ao bem da vida a ser perseguido naquele. As medidas em pleito desta natureza tanto pode ser típica ou nominada, como atípica ou inominada, haja vista o poder geral de cautela do juiz.

1.4 Do Pedido

Registre-se a aplicabilidade da fungibilidade do pedido às tutelas de urgência (§7º do art. 273, do CPC). Isto implica dizer que o juiz pode conhecer de pleito liminar satisfativo e em qualquer de suas espécies como sendo cautelar e vice-versa. Assim, temos uma visão de “mão dupla”, não obstante as resistências doutrinárias, bastando, para tanto, a identificação dos requisitos específicos e a adequação, conforme o provimento concedido.

Assente-se, ainda, que o pleito liminar pode ser realizado a qualquer momento antes da sentença, não havendo, portanto, a obrigatoriedade de restar consignado na exordial. Ademais, se mantida a compatibilidade com o objeto da demanda, ele pode ser modificado sem a anuência do réu, mesmo que já devidamente citado. Por último, frise-se que a apreciação pode ser inaudita altera pars, ou seja, antes da instauração do contraditório, ou não.

2 DO PROJETO DO NOVO CPC

2.1 Das Tutelas de Urgência: Satisfativa e Cautelar

No projeto do novo CPC são espécies de tutelas de urgência apenas a satisfativa e a cautelar. Na mesma rota do trabalhado acima, visam às medidas satisfativas antecipar ao autor, no todo ou em parte, os efeitos da tutela pretendida, enquanto que as cautelares têm por objeto afastar riscos e assegurar o resultado útil do processo.

É cediço que as tutelas de urgência podem ser requeridas antes ou no curso do processo. Ocorre que o projeto do CPC inova na medida em que admite que o juiz conceda ex officio as medidas que considerar adequadas quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação. Ademais, a medida de urgência poderá ser substituída, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, pela prestação de caução ou outra garantia menos gravosa para o requerido, sempre que adequada e suficiente para evitar a lesão ou repará-la integralmente.

Percebe-se uma uniformização, bem como, uma simplificação dos requisitos autorizadores das tutelas de urgência em relação as suas espécies. Assim, tanto para a concessão da satisfativa quanto apara a cautelar, basta apenas que sejam demonstrados elementos que evidenciem a plausibilidade do direito, assim como o risco de dano irreparável ou de difícil reparação.

Inova o legislador ao positivar a exigência para concessão liminar de tutela de urgência da caução real ou fidejussória idônea, visando ressarcir os danos que o requerido possa vir a sofrer, ressalvada a impossibilidade da parte economicamente hipossuficiente. Em síntese, enaltece a contracautela.

Com efeito, com a generalização tem-se que não há mais a divisão formal em tutela antecipada genérica, específica e inibitória. Contudo, isso não impede que o juiz ao deferir uma tutela de urgência satisfativa delimite o provimento em um daqueles temos.

Quanto à inibitória, acreditamos que o legislador está a perder uma grande oportunidade para instituir o seu disciplinamento. Por outro lado, consoante afirmado acima, nada impedirá o seu manejo, apreciação e concessão, cabendo a jurisprudência essa construção.

Em relação ao processo cautelar, a generalização apontada põe termo a sua instrumentalização, extinguindo o livro III do atual CPC. Isto, no entanto, não implicará na extinção das medidas e dos provimentos de natureza cautelar. Assim, a extinção dos nomem juris e do procedimento para cada espécie não impede o manejo e a abertura interpretativa, o que eleva a relevância do poder geral de cautela inerente ao magistrado.

2.2 Da Tutela de Evidência

Ainda no campo da inovação temos a tutela de evidência como provimento autônomo e distinto das tutelas de urgência. Enquanto nestas a cognição é sumária, naquela é exauriente. Logo, resta ao julgador o poder de conceder uma tutela já definitiva, isto porque, não há qualquer risco para o processo ou até mesmo para o direito material.

Assim, consoante disciplina o projeto do novo CPC, a tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação, quando: I - ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do requerido; II - um ou mais dos pedidos cumulados ou parcela deles mostrar-se incontroverso, caso em que a solução será definitiva; III - a inicial for instruída com prova documental irrefutável do direito alegado pelo autor a que o réu não oponha prova inequívoca; ou, IV - a matéria for unicamente de direito e houver tese firmada em julgamento de recursos repetitivos, em incidente de resolução de demandas repetitivas ou em súmula vinculante.

Esta nova vertente processual mostra-se em consonância com a efetividade do direito, a uniformização do direito objetivo, a segurança jurídica, a sumarização material e procedimental, a economia processual, a efetivação e a razoável duração do processo.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

As tutelas de urgência foram inovações acertadas do legislador, visto que conferem maior efetividade ao processo, mediante a melhor distribuição do prejuízo da demora do procedimento. Assim, acaso o demandante preencha os pressupostos legais, obterá de pronto o direito substancial firmado na exordial ou a preservação deste, evitando assim o seu perecimento ante os passos lentos da relação jurídico-processual.

O projeto do novo CPC tende a uniformizar os provimentos de tal natureza ao tratar do satisfativo e do cautelar em conjunto, quando a cognição for sumária. Essa circunstância ocasionará o fim do processo cautelar, mas não das medidas dessa natureza, que poderão ser absorvidas e concedidas, consoante o poder geral de cautela do juiz.

Não obstante tenha causado espécie a vários processualistas, o projeto do novo CPC não vem privilegiando a tutela inibitória, isto é, não trata de procedimento algum referente a mesma.

Por último, saliente-se que, no esteio dos ensinamentos de Marinoni, ao contrário do que ocorre com a tutela inibitória, o projeto do novo CPC trabalha acertada e profundamente a tutela de evidência. Esta é vista como autônoma em relação à satisfativa, sob a premissa de ser de cognição exauriente, conferindo o julgador a possibilidade de conceder uma tutela já definitiva.

REFERÊNCIAS

SAMPAIO JÚNIOR, José Herval. Tutelas de urgência no anteprojeto do novo CPC.

MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. São Paulo: RT, 2010.

__________. Tutela específica arts. 461, CPC e 84, CDC. São Paulo: RT, 2001.

Projeto de lei n° 166/2010, decorrente do anteprojeto do novo CPC ainda em tramitação no Congresso Nacional.



[1] SAMPAIO JÚNIOR, José Herval. Tutelas de urgência no anteprojeto do novo CPC.
[2] Não é o propósito do trabalho, mas há corrente que sustenta a concessão ex officio a partir do poder geral de cautela que assiste ao magistrado.

O PROCEDIMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA


INTRODUÇÃO

Dentre as garantias constitucionais do processo temos o acesso à justiça. Esta, por sua vez, materializa-se pelo exercício do direito de ação que assiste a todo cidadão e visa um provimento jurisdicional do Estado-juiz, a fim de pacificar um conflito.

Ocorre que a resposta jurisdicional quanto ao direito material, inevitavelmente, deve passar por uma sistemática lógica de aplicabilidade do Direito denominada procedimento. Este é inerente a um processo ou instrumento, por meio do qual se soluciona a lide. Assim, podemos dizer que associada à citada garantia temos o devido processo legal na vertente material e adjetiva.

O procedimento pode ser comum ou especial. Este se distingue daquele em razão da qualidade dos sujeitos da relação jurídico-processual, bem como do bem da vida em questão. Destarte, a regra é a aplicação do procedimento comum, sendo o especial a exceção prevista no CPC ou em lei esparsa, que admite as regras daquele em caráter subsidiário.

Nesta rota, o simplório ensaio visa analisar o procedimento especial da ação civil pública por ato de improbidade administrativa previsto na Lei n° 8.429/92.

1 DA LEI N° 8.429/92: DISPOSIÇÕES GERAIS

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, § 4°, lista as sanções as quais estão sujeitas o agente público que comete ato de improbidade administrativa, quais sejam: suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário.

A Lei Maior, por sua vez, deixou ao legislador infraconstitucional a conceituação do que venha a ser improbidade administrativa, bem como as hipóteses de configuração desta e as formas e gradação das sanções. Em arremate, pontuou que improbidade difere da contravenção e do crime, podendo o mesmo fato ser apurado em instâncias distintas.

O legislador infraconstitucional ao editar a Lei n° 8.429/92, ainda, pontuou que ela se aplica aos agentes públicos lato senso e ao particular que induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma.

Por ato de improbidade administrativa entendeu aquele que importa em enriquecimento ilícito, causa prejuízo ao erário ou atenta contra os princípios da Administração Pública. O primeiro por ser extraído da conduta que tenha por objeto auferir vantagem patrimonial indevida em razão do cargo, mandato, emprego ou atividade nas entidades que o Estado participe. O dano ao erário decorre da ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades que o Poder Público participe. A afronta aos princípios, por sua vez, decorre de qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições.

Assente-se que há enorme dificuldade no enquadramento, pois, além das hipóteses listadas guardarem intrínseca relação uma com a outra, o rol para cada uma delas é meramente exemplificativo. Assim, é comum que o ato que gere dano ao erário tenha violado os princípios da administração pública. Como ambas implicam em graduação diversa de sanção, a jurisprudência, à luz do princípio da subsidiariedade e da vedação ao bis in idem, passou a admitir o enquadramento para as hipóteses sancionatórias mais gravosas.

Por derradeiro, a responsabilidade por ato de improbidade administrativa, assim como a responsabilidade penal, é subjetiva, ou seja, deve ser identificado o elemento culpa ou dolo na conduta do agente público para que se tenha a configuração daquela.

2 DO PROCEDIMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.

2.1 Dos Legitimados


A ação civil pública por ato de improbidade administrativa por ser proposta tanto pelo Ministério Público quanto pela pessoa jurídica lesada e, portanto, interessada.

Em se tratando do parquet a atribuição é determinada pela natureza da Fazenda Pública prejudicada. Assim, caso o interesse seja da União a legitimidade é do Ministério Público Federal, ao passo que se a afronta for em desfavor de Estado e/ou de Município a propositura ficará a cargo do Ministério Público Estadual respectivo. No caso do Distrito Federal, dispõe de atribuição o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, que integra a estrutura do Ministério Público da União.

Caso o Ministério Público não seja parte ele atuará, sob pena de nulidade do feito, como fiscal da lei ou custos legis. Nesta hipótese, a demanda fora proposta pelo ente prejudicado, quer seja a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, que também pode intervir na lide e atuar como litisconsórcio, acaso a propositura tenha sido do parquet.

Na hipótese da demanda proposta pelo Ministério Público em que não haja a participação do ente público lesado, nada impede que este venha a propor, em outro momento, ação que vise o complemento do ressarcimento do patrimônio público, acaso a condenação proposta pelo parquet seja inferior ao dano gerado.

Saliente-se que, na hipótese de ter sido formulado pleito acautelatório em feito prévio, a exemplo a decretação do sequestro ou a indisponibilidade dos bens, a ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta dentro de 30 (trinta) dias a contar da efetivação da medida cautelar.


1.2 Da Competência

A competência para processar e julgar a ação civil por ato de improbidade administrativa tanto pode ser da Justiça Federal quanto da Estadual. Assim, se houver interesse da União a demanda será atraída para o primeiro órgão jurisdicional. Do contrário, em sendo interesse estadual ou municipal cabe à Justiça Estadual.

A grande discussão em torno da competência diz respeito às instâncias. Assim, pende discussão se deve ser aplicada ou não as regras relativas ao foro por prerrogativa de função no procedimento da ação de improbidade administrativa. A regra inclina para a não aplicação. Destarte, pouco importa a “patente política” ou o cargo ocupado, tem-se que é no juízo de primeiro grau onde se inicia a causa. Por outro lado há decisões pontuais que sustentam a extensão do foro privilegiado a esfera civil[1], admitindo que a ação de improbidade contra Governador deve ser julgada originariamente pelo STJ, e contra Ministro do STF, pelo próprio STF. Não há consolidação nem  uniformização dessa matéria[2].


1.3 Da Notificação, Da Defesa Prévia Escrita, da Decisão Inicial e Da Contestação

Como dito alhures, o procedimento em questão guarda estrita relação com o procedimento para crimes cometidos por funcionários públicos. Assim, proposta a ação o juiz notificará o requerido para que apresente defesa prévia por escrito, no prazo de 15 (quinze) dias, devendo instruí-la com documento e justificações.

Recebida a manifestação do requerido, o juiz, no prazo de 30 (trinta) dias, em decisão fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita. Doutra banda, se for recebida a petição inicial, será o réu citado para apresentar contestação onde exporá toda e qualquer matéria de defesa. Contra a decisão referida cabe agravo de instrumento.

1.5 Da instrução

Como não cabe acordo, transação ou conciliação em matéria de improbidade administrativa, vez que o interesse é público e, portanto, indisponível, a eventual audiência marcada deve ser tão somente de instrução, para fins de colheita da prova oral e esclarecimento da pericial, conforme o caso. Para os depoimentos e inquirições, aplica-se as regras ao processo penal.

Saliente-se, por seu turno, que em se tratando de prova documental a ação deve ser instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da existência do ato de improbidade ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas, observada a legislação vigente, inclusive as disposições inscritas nos arts. 16 a 18 do Código de Processo Civil (CPC).

Ao fim, reitere-se que deve ser aplicado o CPC e, se for o caso, no que couber, o CPP, ambos, subsidiariamente, ao procedimento da ação civil por ato de improbidade administrativa.

1.6 Da Sentença

Saneado o feito o juiz pode julgar antecipadamente a lide ou abrir a fase de instrução, a partir da especificação de provas realizada pelas partes. Antes disso, nada impede que o juiz extinga o feito sem resolução de mérito, bastando, para tanto, identificar a inadequação da ação de improbidade, ou seja, que falta condição de procedibilidade, bem como as condições da ação, dentre outros vícios de forma.

No enfrentamento do mérito, o juiz deve aferir sempre o elemento culpa lato senso, que pode ser compreendido tanto pela culpa estrito senso quanto pelo dolo. Assim, ausente o conteúdo subjetivo deve ser julgada improcedente o pleito no tocante aos aspectos sancionatórios ou punitivos, que, ressalte-se, está sujeito a prescrição.

Noutro prisma, configurado e demonstrado o ato de improbidade, a partir do pressuposto subjetivo básico, admite-se tanto a aplicação das sanções quanto à condenação no tocante aos aspectos ressarcitórios em favor da pessoa jurídica prejudicada, cuja pretensão é imprescritível.

Em matéria de sanção, deve o magistrado seguir os parâmetros do nosso sistema para efeito de dosimetria ou gradação, inclusive, valendo-se, analogamente, das circunstâncias judiciais previstas na legislação penal, como: personalidade, conduta social do agente, gravidade da conduta e da lesão, dentre outros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ação civil pública por ato de improbidade administrativa é uma inovação no sistema ao criar sanções eminentemente civis para um ato que também poderá ter implicações penais, políticas e administrativas. Assim, o constituinte e o legislador enaltecem, a partir da probidade e da moralidade administrativa, a ideia de independência entre as instâncias sem cogitar na configuração de bis in idem.

Nesta rota, aquele agente público ímprobo pode responder tanto por crime comum na esfera penal, quanto por crime de responsabilidade ou infração política junto à Casa Legislativa competente, acaso seja agente político. Ademais, pode incorrer em infração administrativa, sujeitando-se a uma advertência, suspensão e até mesmo demissão, em se tratando de servidor ou empregado público. Por derradeiro, ainda pode ser tipificado um ato de improbidade administrativa e, portanto, incorrer nas sanções cíveis previstas na Constituição e na Lei. Assim, um só fato poderá ter diversas implicações em instâncias diversas!

Como visto, o procedimento para aplicação das sanções e/ou a condenação ao ressarcimento por ato de improbidade administrativa é especial, haja vista a qualidade do sujeito, qual seja: agente público e terceiro em conluio com este, bem como do bem da vida envolvido.

Por fim, não obstante seja a improbidade algo diverso de delito, por visar seu procedimento a imposição de sanções, embora não seja pena, o legislador resolveu adotar sistemática análoga a de apuração de crime cometido por funcionário público.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto-lei n° 3.689, de 03 de outubro de 1941. Disponível em: . Acesso em 08 ago. 2011.

BRASIL. Lei n° 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Disponível em: . Acesso em 08 ago. 2011.

BRASIL. Lei n° 8.429, de 02 de junho de 1992. Disponível em: . Acesso em 08 ago. 2011.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 19ª ed. São Paulo: Atlas, 2006.

DIDIER JR., Fredie. Ações Constitucionais. 4 ed. rev., ampl.e atual. Salvador: Juspodivm, 2009.

MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. São Paulo: RT, 2010.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 1ª T., REsp n° 896.516/DF, Rel. Min. Luiz Fux, j, 17/2/2009, DJe 25/3/2009.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 2ª T., REsp n° 737.978/MG, Rel. Min. Castro Meira, j. 19/2/2009, DJe 27/3/2009.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Corte Especial, Rcl n° 2.790/SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 2/12/2009, DJe 4/3/2010.



[1] STJ: Corte Especial, Rcl n° 2.790/SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 2/12/2009, DJe 4/3/2010.
[2] STJ: 1ª T., REsp n° 896.516/DF, Rel. Min. Luiz Fux, j, 17/2/2009, DJe 25/3/2009; 2ª T., REsp n° 737.978/MG, Rel. Min. Castro Meira, j. 19/2/2009, DJe 27/3/2009.

A APELAÇÃO CÍVEL E O PROJETO DO NOVO CPC


SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 O APELO CÍVEL. 2.1 Da sentença, dos pressupostos e do objeto. 2.2 Da regularidade formal, do procedimento no primeiro grau e dos efeitos. 2.3 Da tantum devolutum quantum appellatum e as implicações. 2.4 Da instrução. 2.5 Do julgamento e dos efeitos. 3 O PROJETO DO NOVO CPC E AS ALTERAÇÕES. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
 

1 INTRODUÇÃO

Dentre as garantias constitucionais do processo temos o acesso à justiça. Esta, por sua vez, materializa-se pelo exercício do direito de ação e de defesa que assiste a todo cidadão e visa um provimento jurisdicional justo emanado do Estado-juiz, a fim de pacificar um conflito.

Ocorre que a resposta jurisdicional além de sujeita a erros, já que é produzida por humanos, naturalmente gera inconformismo no ser quando cientificado da eventual derrota. Nesta perspectiva, a sistemática lógica de aplicabilidade do Direito possibilita a revisão do julgado por órgão superior, a partir do desdobramento do direito de ação e defesa. Para tanto, a parte interessada deve se valer dos recursos previstos em lei. Assim, podemos dizer que associada ao acesso à justiça temos a garantia do devido processo legal, associado à ampla defesa e contraditório com os meios que lhes são inerentes[1].

Nesta rota, no processo civil temos a apelação, recurso por excelência que remete ao Tribunal, órgão superior hierárquico imediato, o conhecimento da matéria discutida e decidida, de maneira definitiva, por instância inferior. Sobre esse expediente recursal vejamos algumas simplórias notas, observando, inclusive, as potenciais alterações que possam surgir com a eventual promulgação do projeto no novo CPC.

2 O APELO CÍVEL

2.1 Da sentença, dos pressupostos e do objeto

Dentre os provimentos jurisdicionais, temos a sentença. Este é ato do juiz que dispõe de viés terminativo do feito é verdadeiro silogismo. Assim, após análise da tese autoral e da antítese do réu, o intérprete e julgador, expõe suas razões de decidir e conclui, decide, fazendo consignar seu ato na parte preceitual.

Saliente-se que, o juiz provocado por meio de uma ação deve seguir o objeto desta, ou seja, sua apreciação deve ser informada pelo princípio da congruência ou correlação entre o pedido e o dispositivo, ou decidido. Nesta senda, para cada fundamento e decisão forma-se um capítulo, logo, uma sentença pode ter diversos capítulos em seu dispositivo, seja de caráter declaratório, constitutivo, condenatório, mandamental e executivo lato senso, consoante visão quinpartite de Pontes de Miranda.

A sentença põe termo ao processo resolvendo o mérito ou não. No primeiro caso a o enfrentamento do pedido, enquanto que no segundo não, porquanto, classifica-se o ato como sentença processual, pois, a análise do objeto é comprometida por aspectos formais, entre eles: a ausência dos pressupostos processuais positivos de existência (jurisdição, petição inicial, citação válida e capacidade postulatória) e de validade (petição inicial apta, órgão jurisdicional competente, juiz imparcial, capacidade de agir e processual), a presença dos pressupostos negativos (perempção, litispendência e coisa julgada), a falta das condições da ação (legitimidade ativa e passiva ad causam, possibilidade jurídica e interesse de agir), o abandono da causa, a desistência do autor, a confusão entre autor e réu, a ação for personalíssima ou intransmissível, a convenção de arbitragem e o indeferimento da exordial por inépcia, dentre outros. Contra este ato judicial, seja meritório ou processual, no esteio dos princípios da tipicidade e do cabimento recursal, a legislação instrumental prevê a apelação[2].

A apelação deve ser interposta no prazo legal de 15 (quinze) dias, mediante preparo ou recolhimento das custas, salvo se o recorrente for beneficiário da assistência judiciária gratuita, Ministério Público ou Fazenda Pública.

Caso não haja o preparo o recurso será considerado deserto, contudo, esta decisão pode ser revertida acaso o apelante demonstre justo impedimento para o não recolhimento, a exemplo, falha no sistema de emissão da guia no último dia do prazo ou qualquer outro problema imputado a rede bancária, etc. Assim, o juiz relevará a pena, abrindo prazo para o recolhimento. Outra circunstância é quando o recolhimento ocorreu, mas a menor. Nesta hipótese, deve o juiz intimar o recorrente para que complemente as custas no prazo de 05 (cinco) dias, sob pena de deserção[3].

Quanto à legitimidade recursal, tem-se que a apelante deve ser parte, o Ministério Público, como parte ou fiscal da lei, ou terceiro prejudicado, admitindo-se, também, consoante jurisprudência do STJ, a legitimidade ao advogado da parte no tocante aos honorários sucumbenciais, haja vista se tratar de direito autônomo. Associado a legitimidade deve haver o interesse recursal que está ligado à sucumbência da parte, a afronta a lei compreendida pelo parquet ou ao prejuízo sinalizado pelo terceiro[4].

Por derradeiro, em relação ao objeto recursal, tem-se que a apelação ataca o dispositivo sentencial, logo o pedido deve ser de anulação de parte ou de todo o ato do juízo a quo, ou a reforma do(s) capítulo(s) presentes.

2.2 Da regularidade formal, do procedimento no primeiro grau e dos efeitos

Em respeito à regularidade formal, o recurso de apelação deve ser interposto por meio de petição escrita dirigida ao juízo prolator, acompanhada das razões do apelo que deve ser endereçada ao juízo ad quem, ambas firmadas por advogado devidamente constituído e habilitado nos autos. Saliente-se que com a “Lei do Fax”, a interposição pode ser feita por fax-smile no prazo recursal, devendo o apelante apresentar os originais em até cinco dias após o término do prazo, sob pena de não conhecimento do recurso por intempestividade.

O expediente recursal que compreende as razões deve ser articulado, constando a exposição de motivos ou fundamento da pretensão recursal que impugne especificamente os fundamentos da decisão recorrida que sustentou o dispositivo em ataque.

Interposto o recurso deve o juízo a quo realizar o juízo de admissibilidade inicial ou de prelibação, ou seja, analisar se o recurso preenche todos os pressupostos supra indicados. Em caso positivo, receberá o recurso, abrindo o prazo para o recorrido contrarrazoar, remetendo, em seguida, o feito ao juízo ad quem. Por outro lado, caso a decisão do juízo a quo seja no sentido de denegar o recebimento do apelo por inobservância de um dos pressupostos ou por súmula impeditiva de recurso, abri-se a via do agravo de instrumento ao Tribunal de apelação. Chegado ao órgão revisor, com juízo positivo no primeiro grau ou provimento do agravo, será feito novo juízo de admissibilidade ou de delibação pelo relator[5].

Ainda no campo da interposição, em matéria de sucumbência recíproca, a parte que resolver não recorrer da parte em que sucumbiu, poderá ter nova oportunidade de recurso. Isto porque, diante do recurso da parte adversa e deflagrada a fase de contrarrazões, poderá se valer do recurso de apelação na forma adesiva, que é acessório do apelo principal. Então, além de contrarrazoar, surge uma nova oportunidade para recorrer, contudo, adesivamente, de maneira acessória, visto que, se houve desistência do apelo principal, ou o não conhecimento do apelo principal por ausência de um dos pressupostos recursais, ou por ser deserto, o recurso de apelação adesivo resta comprometido.

Ainda no primeiro grau, em regra, o apelo deve ser recebido nos efeitos devolutivos, ou seja, toda a discussão ou a matéria impugnada será devolvida ao juízo ad quem, e suspensivo, visto que a decisão ainda não poderá ser executada, cumprida. No entanto, há hipóteses em que pode ser deflagrada a execução provisória sob total responsabilidade do exequente, já que o recurso será recebido apenas no efeito devolutivo, pois a decisão se presta a homologar a divisão ou a demarcação, a prestação de alimentos, a solução de feito cautelar, a rejeitar liminarmente embargos à execução ou julgá-los improcedentes, a reconhecer o pedido de instituição de arbitragem e a conceder ou confirmar a antecipação dos efeitos da tutela[6].

2.3 Da tantum devolutum quantum appellatum e as implicações

O efeito devolutivo é clássico, sendo o efeito por excelência do apelo. Consiste na devolução ao Tribunal da matéria que foi discutida no primeiro grau, na medida do apelo, isto é, da impugnação. Assim, conforme o ataque do apelante aos capítulos da sentença presente no dispositivo[7], seja parcial ou total, o Tribunal recebe a matéria para reexame. Em síntese, a extensão da devolução é a do apelo, conforme preceitua o brocardo latino tantum devolutum quantum appellatum[8].

Por outro lado, há de se admitir a profundidade da devolução, visto que o Tribunal, além de conhecer as matérias impugnadas pelo apelante, poderá também enfrentar todas as que foram suscitadas e debatidas no processo, mas não foram consignadas na sentença, muito menos no dispositivo, assim como as questões anteriores a sentença que sequer foram decididas[9]. Na mesma rota, quando o pedido ou defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um desses, pode o Tribunal apreciar os demais, mesmo que não seja alvo da impugnação, já que não constará na parte preceitual.

Contudo, assente-se que, apesar da possibilidade de extensão do efeito devolutivo, não pode haver inovação fática em sede de apelo. Ou seja, as questões não propostas no juízo inferior, em regra, não poderão ser conhecida pelo Tribunal, salvo se a parte provar que deixou de fazê-lo por motivo de força maior. Tal circunstância difere da hipótese em que o Tribunal confere outra interpretação ao mesmo fato, ou entende por incidência de outra norma ao caso[10]. Neste caso, não há falar em alteração da causa de pedir ou violação ao princípio da congruência, ao contrário do que ocorre na hipótese de inovação sem justificativa plausível.

2.4 Da instrução

Em se tratando de sentença proferida sem resolução de mérito não há falar em instrução, ao menos em tese, já que os pressupostos processuais positivos e negativos, as condições da ação, o abandono, a convenção de arbitragem, dentre outros, em regra, são identificados na fase inicial do feito ou, ao que se espera à luz da economia processual, até a fase saneadora. Já na de mérito, salvo a hipótese de julgamento antecipado da lide, quando a questão é direito, ou sendo de direito e de fato, este já se encontra perfeitamente documentado, ou, ainda, em caso de revelia, há instrução.

Assim, em apreciação de sentença processual que o Tribunal entenda pela regularidade instrumental, anulando o provimento do juízo a quo, deve o feito, salvo a hipótese de questão exclusivamente de direito e “causa madura”, ser remetido a origem para o devido processamento e análise do mérito. Nesta hipótese, o juízo a quo é o natural da instrução, sob pena de supressão da instância teoricamente instrutória, ou inversão dos papeis jurisdicionais.

Em se tratando de sentença de mérito em que tenha ocorrido a instrução e o Tribunal constatando nulidade sanável, poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, sem que os autos desçam ao primeiro grau. Assim, basta intimar as partes para cumpram a diligência determinada, devendo o feito, em seguida, se possível, ser pautado para julgamento do apelo[11].

2.5 Do julgamento e dos efeitos

Com a apreciação do mérito do apelo pelo segundo grau, seja pelo órgão fracionário ou pelo pleno, a depender das hipóteses regimentais, a pretensão recursal pode ser acolhida ou rejeitada, no todo ou em parte. Assim, teremos o provimento pleno ou parcial do recurso que comprometerá o dispositivo da sentença atacada, seja pela anulação ou reforma. Caso a decisão seja no sentido do improvimento a sentença será mantida em seus próprios termos.

Dentre os efeitos decorrentes deste ato podemos citar três: o translativo, o regressivo e o substitutivo. O primeiro possibilita o conhecimento, de ofício, de questões de ordem pública, visto que não impera a preclusão. A incidência deste efeito não nega vigência a reformatio in pejus. Já o segundo acontece em caráter excepcional, pois, em regra, proferida a sentença o juiz não pode alterá-la, até mesmo em caso de retratação. O exemplo que temos diz respeito à retratação no prazo impróprio de 48 horas diante de apelo interposto em face de sentença que indeferiu a preambular. Assim, é efeito aferido no primeiro grau[12].

Por derradeiro, o terceiro e mais importante efeito é o substitutivo. Este preceitua que o provimento do juízo a quo, caso o Tribunal conheça do apelo e enfrente o pedido, é substituído pelo acórdão. Em suma, o acórdão é decisão que substitui outra, qual seja: a sentença atacada.


3 O PROJETO DO NOVO CPC E AS ALTERAÇÕES

Nos últimos meses o famigerado projeto de um novo CPC alcançou o nível de debate esperando, quer seja na academia, que seja no mundo político. Em relação à apelação, até o presente, pouco se pretende modificar. Substancialmente podemos apontar a extinção do juízo de admissibilidade no primeiro grau, devendo o mesmo se limitar ao segundo[13].

Além disso, se propõe que o recebimento do apelo pelo Tribunal somente pode ser no efeito devolutivo, no entanto, ao relator é dado a atribuição do efeito suspensivo em decisão irrecorrível[14].

Pugnam, ainda, pelo elastecimento do juízo de retratação ou efeito regressivo do apelo, possibilitando o exercício do mesmo para todas as hipóteses de sentença sem resolução de mérito, cuja interposição do apelo possibilita o juiz se retratar no prazo de 3 (três) dias[15].

No campo da instrução, acaso o Tribunal entenda pela deficiência das provas poderá converter o julgamento em diligência, podendo o feito descer ao primeiro grau ou ser instruído no próprio segundo[16].

Enfim, para maior economia e em respeito à razoável duração do processo, o legislador indicou em rol exemplificativo as hipóteses em que se configura a causa madura, devendo o Tribunal julgá-las. Assim, sempre que envolver reforma de sentença fundada no art. 472 (coisa julgada em relação a terceiros); declaração de nulidade de sentença por não observância dos limites do pedido; declaração de nulidade de sentença por falta de fundamentação; e, reforma da sentença que reconhecer a decadência ou prescrição, deve o Tribunal julgar de imediato[17].


4 CONSIDERAÇÕES FINAIS.

A apelação cível é o recurso por excelência do processo civil, cujo espectro de cognição do Tribunal é amplo. Ele, enquanto desdobramento do direito de ação e defesa ataca a decisão mestra, ou seja, enfrenta a sentença, provimento terminativo do feito, sendo um dos mais autos pontos da legislação instrumental.

Do presente ensaio percebe-se que, não obstante o sistema ser informado pelo princípio da instrumentalidade das formas, o apelo é, por demais, formal, ou de rigor. Não basta observar os pressupostos processuais e as condições da ação, ele deve seguir uma regularidade de apresentação.

A força da decisão em sede de apelo é tamanha que pode comprometer o trabalho do juízo a quo, quando anulada a sentença. Em suma, é expediente de magnitude opositiva inquestionável.

Por derradeiro, vimos o projeto do novo CPC em pouco inova em matéria de apelo, mantendo todas as diretrizes clássicas, com exceção para hipótese de extinção do juízo de prelibação e a abertura do efeito regressivo.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Projeto de lei n° 166/2010, decorrente do anteprojeto do novo CPC ainda em tramitação no Congresso Nacional.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Capítulos de sentença. São Paulo: Malheiros, 2002.

JORGE, Flávio Cheim. Apelação cível – Teoria geral e admissibilidade. 2ª ed., ver. e atual. São Paulo: RT, 2002.

MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. São Paulo: RT, 2010.

OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Apelação no direito processual civil. São Paulo: RT, 2009.

THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil, v. I, II e III. Rio de Janeiro: Forense, 2008.



[1] MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. São Paulo: RT, 2010.
[2] THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil, v. I. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 258.
[3] THEODORO JR., op. cit., p. 262-266.
[4] THEODORO JR., op. cit., p. 262-266.
[5] JORGE, Flávio Cheim. Apelação cível – Teoria geral e admissibilidade. 2ª ed., ver. e atual. São Paulo: RT, 2002, p. 34.
[6] JORGE, op. cit., p. 42.
[7] DINAMARCO, Cândido Rangel. Capítulos de sentença. São Paulo: Malheiros, 2002.
[8] OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Apelação no direito processual civil. São Paulo: RT, 2009, p. 178 ss.
[9] OLIVEIRA, op. cit., p. 178 ss.
[10] OLIVEIRA, op. cit., p. 178 ss.
[11] OLIVEIRA, op. cit., p. 210 ss.
[12] OLIVEIRA, op. cit., p. 255 ss.
[13] BRASIL. Projeto de lei n° 166/2010, decorrente do anteprojeto do novo CPC ainda em tramitação no Congresso Nacional. Disponível em: . Acesso em: 25/09/2011.
[14] BRASIL, op. cit.
[15] BRASIL, op. cit.
[16] BRASIL, op. cit.
[17] BRASIL, op. cit.