INTRODUÇÃO
Dentre as garantias
constitucionais do processo temos o acesso à justiça. Esta, por sua vez,
materializa-se pelo exercício do direito de ação que assiste a todo cidadão e
visa um provimento jurisdicional do Estado-juiz, a fim de pacificar um conflito.
Ocorre que a resposta
jurisdicional quanto ao direito material, inevitavelmente, deve passar por uma
sistemática lógica de aplicabilidade do Direito denominada procedimento. Este é
inerente a um processo ou instrumento, por meio do qual se solução a lide.
Assim, podemos dizer que associada à citada garantia temos o devido processo
legal na vertente material e adjetiva.
Assim, é fato que a
prestação jurisdicional implica tempo e que nem sempre este pode ser esperado
pela parte. Por esta razão, ou seja, pela necessidade de um agir jurisdicional
antecedente que vise preservar o bem da vida e evitar o perecimento de direito,
surgiu à técnica procedimental denominada de tutela ou provimento jurisdicional
urgente.
Nesta rota, o simplório
ensaio visa analisar as tutelas de urgência na sistemática atual do CPC,
comparando-as com o que vem sendo trabalhado no projeto do novo CPC.
1
DAS TUTELAS DE URGÊNCIA: CONCEITO, ESPÉCIES, OBJETOS, REQUISITOS E PEDIDO
1.1 Conceito
Por tutela se entende
proteção. Já urgência a situação fática que requer uma intervenção imediata.
Para o Direito e, sobretudo, o processual, tutela ou provimento, em sentido
amplo, significa proteção do direito material. Assim, configura-se uma resposta
de plano do Estado-juiz, ou seja, antes do provimento final, do término do
feito, o demandante já pode ter uma manifestação judicial em torno do seu
pleito, em verdadeira cognição sumária, ante as implicações fáticas postas. Em
outras palavras, a tutela jurisdicional urgente é a providência imediata e
efetiva de entrega do bem da vida ou do acautelamento deste.
Para Sampaio Júnior, tutelas
de urgência seriam “todas aquelas medidas
que são concedidas no decorrer do processo, em especial no seu início, tendo
como premissa a questão do perigo de ineficácia da tutela em razão de uma
emergência”[1]. Com
efeito, são verdadeiros mecanismos de sumarização, na perspectiva de que para
garantir o bem da vida exigi-se o necessário respeito à tempestividade.
Saliente-se que, não
obstante serem materializadas em decisão interlocutória, a jurisprudência
passou a admitir a concessão de tutela de urgência em sentença, ou seja, na
fase final do procedimento. Contudo, temos que convir que tal proceder acaba
comprometendo o propósito dos provimentos liminares e, até mesmo, a garantia do
acesso à justiça e da razoável duração do feito.
1.2 Espécies e Objetos
As tutelas de urgências ou
provimento liminar é gênero do qual são espécies a tutela satisfativa e a
tutela de segurança. A primeira tem como subespécies a tutela antecipada
genérica, a específica e a inibitória; já a segunda há apenas a tutela
cautelar.
No provimento liminar de
natureza satisfativa, ao contrário da tutela de segurança, ocorre à antecipação
do bem da vida ante a quase certeza do direito percebida pelo juiz em sua
análise sumária inicial. Na tutela de segurança o que se tem na aferição do
magistrado é mera aparência do direito, visando o provimento apenas assegurar,
proteger o direito que será objeto de demanda cognitiva ou satisfativa, sem que
haja antecipação do bem da vida.
1.3
Requisitos
1.3.1
Da Tutela Antecipada Genérica
A tutela antecipada genérica
(CPC, art. 273 e §§) somente deve ser concedida, parcial ou totalmente, quando
houver requerimento da parte[2]
e a configuração de todos os requisitos legais autorizadores, quais sejam:
verossimilhanças das alegações autorais; provas inequívocas; fundada receio de
dano irreparável ou de difícil reparação, ou abuso do direito de defesa; e,
reversibilidade da medida.
Por verossimilhança das
alegações autorais entende-se a quase certeza do que está sendo posto para
apreciação. Seria a plausibilidade ou probabilidade do reconhecimento do
direito e da entrega do bem da vida ao final do procedimento. Para tanto,
tem-se por indispensável às provas inequívocas ou pré-constituídas, ou seja,
aquelas que aclarem, de plano, a controvérsia da lide, não proporcionando
dúvida ao julgador ou, se persistirem, que sejam residuais.
Quanto ao fundado receio de
dano irreparável ou de difícil reparação tem-se a situação fática posta para
apreciação do Juízo com as devidas provas do dano ou do risco deste. Por outro
lado, mesmo que tal circunstância não seja configurada pode o magistrado
antecipar a tutela se restar evidente o abuso do direito de defesa por parte do
réu, em vilipêndio as regras inerentes a lealdade processual ante a provocação
de incidentes manifestadamente infundados e a resistência injustificada ao
andamento do feito, em situações processuais protelatórias.
Ademais, deve ser reversível
a medida a conceder, ou seja, a revogação ou a cassação do provimento liminar
não pode compromete substancialmente os fatos, podendo retornar ao status quo ante.
1.3.2
Da Tutela Antecipada Específica e Da Inibitória
A tutela antecipada
específica (CPC, art. 461 e §§), por sua vez, ocorre quando a ação tem por
objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou a entregar coisa certa, ou seja,
que visa a execução forçada de uma conduta positiva do devedor inadimplente,
seja com o fato ou a coisa. Para a concessão desta basta ser relevante o
fundamento da demanda e existir justificado receio de ineficácia do provimento
final (§3°).
De igual modo, temos a
tutela antecipada inibitória quanto aos requisitos autorizadores, havendo
distinção apenas quanto à natureza da obrigação a qual visa o cumprimento
forçado, qual seja: obrigação de não fazer ou negativa, isto é, o respeito à
abstenção ajustada.
1.3.3
Da Tutela Antecipada de Evidência
Para doutrina o § 6° do art.
273, do CPC, trata de uma tutela antecipada diferenciada das demais,
cognominando-a de tutela de evidência. Assim, em situações em que existe um ou mais dos pedidos cumulados, ou
parcela deles, mostrar-se incontroverso, pode o juiz conceder a tutela
antecipada sem a necessidade da análise dos outros requisitos autorizadores do
provimento liminar satisfativo. Por oportuno, assente-se que, por ser incontroverso,
a solução provisória passa a ser definitiva.
1.3.4
Da Tutela Cautelar
No tocante à segurança temos
a tutela cautelar. Esta é concedida quando configurado o fumus boni in iure ou fumaça do bom direito, que diz respeito à
mera aparência do direito que será discutido no feito principal; e o perriculum in mora ou perigo da demora,
que se refere ao risco de dano ao bem da vida a ser perseguido naquele. As
medidas em pleito desta natureza tanto pode ser típica ou nominada, como
atípica ou inominada, haja vista o poder geral de cautela do juiz.
1.4 Do
Pedido
Registre-se a aplicabilidade
da fungibilidade do pedido às tutelas de urgência (§7º do art. 273, do CPC).
Isto implica dizer que o juiz pode conhecer de pleito liminar satisfativo e em
qualquer de suas espécies como sendo cautelar e vice-versa. Assim, temos uma
visão de “mão dupla”, não obstante as resistências doutrinárias, bastando, para
tanto, a identificação dos requisitos específicos e a adequação, conforme o
provimento concedido.
Assente-se, ainda, que o
pleito liminar pode ser realizado a qualquer momento antes da sentença, não
havendo, portanto, a obrigatoriedade de restar consignado na exordial. Ademais,
se mantida a compatibilidade com o objeto da demanda, ele pode ser modificado
sem a anuência do réu, mesmo que já devidamente citado. Por último, frise-se
que a apreciação pode ser inaudita altera
pars, ou seja, antes da instauração do contraditório, ou não.
2 DO
PROJETO DO NOVO CPC
2.1
Das Tutelas de Urgência: Satisfativa e Cautelar
No projeto do novo CPC são
espécies de tutelas de urgência apenas a satisfativa e a cautelar. Na mesma
rota do trabalhado acima, visam às medidas satisfativas antecipar ao autor, no
todo ou em parte, os efeitos da tutela pretendida, enquanto que as cautelares
têm por objeto afastar riscos e assegurar o resultado útil do processo.
É cediço que as tutelas de
urgência podem ser requeridas antes ou no curso do processo. Ocorre que o
projeto do CPC inova na medida em que admite que o juiz conceda ex officio as medidas que considerar
adequadas quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da
lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação. Ademais, a
medida de urgência poderá ser substituída, de ofício ou a requerimento de
qualquer das partes, pela prestação de caução ou outra garantia menos gravosa
para o requerido, sempre que adequada e suficiente para evitar a lesão ou
repará-la integralmente.
Percebe-se uma
uniformização, bem como, uma simplificação dos requisitos autorizadores das
tutelas de urgência em relação as suas espécies. Assim, tanto para a concessão
da satisfativa quanto apara a cautelar, basta apenas que sejam demonstrados
elementos que evidenciem a plausibilidade do direito, assim como o risco de
dano irreparável ou de difícil reparação.
Inova o legislador ao
positivar a exigência para concessão liminar de tutela de urgência da caução
real ou fidejussória idônea, visando ressarcir os danos que o requerido possa
vir a sofrer, ressalvada a impossibilidade da parte economicamente
hipossuficiente. Em síntese, enaltece a contracautela.
Com efeito, com a
generalização tem-se que não há mais a divisão formal em tutela antecipada
genérica, específica e inibitória. Contudo, isso não impede que o juiz ao
deferir uma tutela de urgência satisfativa delimite o provimento em um daqueles
temos.
Quanto à inibitória,
acreditamos que o legislador está a perder uma grande oportunidade para
instituir o seu disciplinamento. Por outro lado, consoante afirmado acima, nada
impedirá o seu manejo, apreciação e concessão, cabendo a jurisprudência essa
construção.
Em relação ao processo
cautelar, a generalização apontada põe termo a sua instrumentalização,
extinguindo o livro III do atual CPC. Isto, no entanto, não implicará na
extinção das medidas e dos provimentos de natureza cautelar. Assim, a extinção
dos nomem juris e do procedimento
para cada espécie não impede o manejo e a abertura interpretativa, o que eleva
a relevância do poder geral de cautela inerente ao magistrado.
2.2
Da Tutela de Evidência
Ainda no campo da inovação
temos a tutela de evidência como provimento autônomo e distinto das tutelas de
urgência. Enquanto nestas a cognição é sumária, naquela é exauriente. Logo,
resta ao julgador o poder de conceder uma tutela já definitiva, isto porque,
não há qualquer risco para o processo ou até mesmo para o direito material.
Assim, consoante disciplina
o projeto do novo CPC, a tutela da evidência será concedida, independentemente
da demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação, quando: I - ficar caracterizado o abuso de direito
de defesa ou o manifesto propósito protelatório do requerido; II - um ou mais
dos pedidos cumulados ou parcela deles mostrar-se incontroverso, caso em que a
solução será definitiva; III - a inicial for instruída com prova documental
irrefutável do direito alegado pelo autor a que o réu não oponha prova
inequívoca; ou, IV - a matéria for unicamente de direito e houver tese firmada
em julgamento de recursos repetitivos, em incidente de resolução de demandas
repetitivas ou em súmula vinculante.
Esta nova vertente processual mostra-se
em consonância com a efetividade do direito, a uniformização do direito objetivo,
a segurança jurídica, a sumarização material e procedimental, a economia
processual, a efetivação e a razoável duração do processo.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
As tutelas de urgência foram
inovações acertadas do legislador, visto que conferem maior efetividade ao
processo, mediante a melhor distribuição do prejuízo da demora do procedimento.
Assim, acaso o demandante preencha os pressupostos legais, obterá de pronto o
direito substancial firmado na exordial ou a preservação deste, evitando assim
o seu perecimento ante os passos lentos da relação jurídico-processual.
O projeto do novo CPC tende
a uniformizar os provimentos de tal natureza ao tratar do satisfativo e do
cautelar em conjunto, quando a cognição for sumária. Essa circunstância
ocasionará o fim do processo cautelar, mas não das medidas dessa natureza, que
poderão ser absorvidas e concedidas, consoante o poder geral de cautela do
juiz.
Não obstante tenha causado
espécie a vários processualistas, o projeto do novo CPC não vem privilegiando a
tutela inibitória, isto é, não trata de procedimento algum referente a mesma.
Por último, saliente-se que,
no esteio dos ensinamentos de Marinoni, ao contrário do que ocorre com a tutela
inibitória, o projeto do novo CPC trabalha acertada e profundamente a tutela de
evidência. Esta é vista como autônoma em relação à satisfativa, sob a premissa
de ser de cognição exauriente, conferindo o julgador a possibilidade de
conceder uma tutela já definitiva.
REFERÊNCIAS
SAMPAIO JÚNIOR, José Herval. Tutelas de
urgência no anteprojeto do novo CPC.
MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do
processo. São Paulo: RT, 2010.
__________. Tutela específica arts. 461, CPC
e 84, CDC. São Paulo: RT, 2001.
Projeto de lei n° 166/2010, decorrente do
anteprojeto do novo CPC ainda em tramitação no Congresso Nacional.