sábado, 28 de abril de 2012

A APELAÇÃO CÍVEL E O PROJETO DO NOVO CPC


SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 O APELO CÍVEL. 2.1 Da sentença, dos pressupostos e do objeto. 2.2 Da regularidade formal, do procedimento no primeiro grau e dos efeitos. 2.3 Da tantum devolutum quantum appellatum e as implicações. 2.4 Da instrução. 2.5 Do julgamento e dos efeitos. 3 O PROJETO DO NOVO CPC E AS ALTERAÇÕES. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
 

1 INTRODUÇÃO

Dentre as garantias constitucionais do processo temos o acesso à justiça. Esta, por sua vez, materializa-se pelo exercício do direito de ação e de defesa que assiste a todo cidadão e visa um provimento jurisdicional justo emanado do Estado-juiz, a fim de pacificar um conflito.

Ocorre que a resposta jurisdicional além de sujeita a erros, já que é produzida por humanos, naturalmente gera inconformismo no ser quando cientificado da eventual derrota. Nesta perspectiva, a sistemática lógica de aplicabilidade do Direito possibilita a revisão do julgado por órgão superior, a partir do desdobramento do direito de ação e defesa. Para tanto, a parte interessada deve se valer dos recursos previstos em lei. Assim, podemos dizer que associada ao acesso à justiça temos a garantia do devido processo legal, associado à ampla defesa e contraditório com os meios que lhes são inerentes[1].

Nesta rota, no processo civil temos a apelação, recurso por excelência que remete ao Tribunal, órgão superior hierárquico imediato, o conhecimento da matéria discutida e decidida, de maneira definitiva, por instância inferior. Sobre esse expediente recursal vejamos algumas simplórias notas, observando, inclusive, as potenciais alterações que possam surgir com a eventual promulgação do projeto no novo CPC.

2 O APELO CÍVEL

2.1 Da sentença, dos pressupostos e do objeto

Dentre os provimentos jurisdicionais, temos a sentença. Este é ato do juiz que dispõe de viés terminativo do feito é verdadeiro silogismo. Assim, após análise da tese autoral e da antítese do réu, o intérprete e julgador, expõe suas razões de decidir e conclui, decide, fazendo consignar seu ato na parte preceitual.

Saliente-se que, o juiz provocado por meio de uma ação deve seguir o objeto desta, ou seja, sua apreciação deve ser informada pelo princípio da congruência ou correlação entre o pedido e o dispositivo, ou decidido. Nesta senda, para cada fundamento e decisão forma-se um capítulo, logo, uma sentença pode ter diversos capítulos em seu dispositivo, seja de caráter declaratório, constitutivo, condenatório, mandamental e executivo lato senso, consoante visão quinpartite de Pontes de Miranda.

A sentença põe termo ao processo resolvendo o mérito ou não. No primeiro caso a o enfrentamento do pedido, enquanto que no segundo não, porquanto, classifica-se o ato como sentença processual, pois, a análise do objeto é comprometida por aspectos formais, entre eles: a ausência dos pressupostos processuais positivos de existência (jurisdição, petição inicial, citação válida e capacidade postulatória) e de validade (petição inicial apta, órgão jurisdicional competente, juiz imparcial, capacidade de agir e processual), a presença dos pressupostos negativos (perempção, litispendência e coisa julgada), a falta das condições da ação (legitimidade ativa e passiva ad causam, possibilidade jurídica e interesse de agir), o abandono da causa, a desistência do autor, a confusão entre autor e réu, a ação for personalíssima ou intransmissível, a convenção de arbitragem e o indeferimento da exordial por inépcia, dentre outros. Contra este ato judicial, seja meritório ou processual, no esteio dos princípios da tipicidade e do cabimento recursal, a legislação instrumental prevê a apelação[2].

A apelação deve ser interposta no prazo legal de 15 (quinze) dias, mediante preparo ou recolhimento das custas, salvo se o recorrente for beneficiário da assistência judiciária gratuita, Ministério Público ou Fazenda Pública.

Caso não haja o preparo o recurso será considerado deserto, contudo, esta decisão pode ser revertida acaso o apelante demonstre justo impedimento para o não recolhimento, a exemplo, falha no sistema de emissão da guia no último dia do prazo ou qualquer outro problema imputado a rede bancária, etc. Assim, o juiz relevará a pena, abrindo prazo para o recolhimento. Outra circunstância é quando o recolhimento ocorreu, mas a menor. Nesta hipótese, deve o juiz intimar o recorrente para que complemente as custas no prazo de 05 (cinco) dias, sob pena de deserção[3].

Quanto à legitimidade recursal, tem-se que a apelante deve ser parte, o Ministério Público, como parte ou fiscal da lei, ou terceiro prejudicado, admitindo-se, também, consoante jurisprudência do STJ, a legitimidade ao advogado da parte no tocante aos honorários sucumbenciais, haja vista se tratar de direito autônomo. Associado a legitimidade deve haver o interesse recursal que está ligado à sucumbência da parte, a afronta a lei compreendida pelo parquet ou ao prejuízo sinalizado pelo terceiro[4].

Por derradeiro, em relação ao objeto recursal, tem-se que a apelação ataca o dispositivo sentencial, logo o pedido deve ser de anulação de parte ou de todo o ato do juízo a quo, ou a reforma do(s) capítulo(s) presentes.

2.2 Da regularidade formal, do procedimento no primeiro grau e dos efeitos

Em respeito à regularidade formal, o recurso de apelação deve ser interposto por meio de petição escrita dirigida ao juízo prolator, acompanhada das razões do apelo que deve ser endereçada ao juízo ad quem, ambas firmadas por advogado devidamente constituído e habilitado nos autos. Saliente-se que com a “Lei do Fax”, a interposição pode ser feita por fax-smile no prazo recursal, devendo o apelante apresentar os originais em até cinco dias após o término do prazo, sob pena de não conhecimento do recurso por intempestividade.

O expediente recursal que compreende as razões deve ser articulado, constando a exposição de motivos ou fundamento da pretensão recursal que impugne especificamente os fundamentos da decisão recorrida que sustentou o dispositivo em ataque.

Interposto o recurso deve o juízo a quo realizar o juízo de admissibilidade inicial ou de prelibação, ou seja, analisar se o recurso preenche todos os pressupostos supra indicados. Em caso positivo, receberá o recurso, abrindo o prazo para o recorrido contrarrazoar, remetendo, em seguida, o feito ao juízo ad quem. Por outro lado, caso a decisão do juízo a quo seja no sentido de denegar o recebimento do apelo por inobservância de um dos pressupostos ou por súmula impeditiva de recurso, abri-se a via do agravo de instrumento ao Tribunal de apelação. Chegado ao órgão revisor, com juízo positivo no primeiro grau ou provimento do agravo, será feito novo juízo de admissibilidade ou de delibação pelo relator[5].

Ainda no campo da interposição, em matéria de sucumbência recíproca, a parte que resolver não recorrer da parte em que sucumbiu, poderá ter nova oportunidade de recurso. Isto porque, diante do recurso da parte adversa e deflagrada a fase de contrarrazões, poderá se valer do recurso de apelação na forma adesiva, que é acessório do apelo principal. Então, além de contrarrazoar, surge uma nova oportunidade para recorrer, contudo, adesivamente, de maneira acessória, visto que, se houve desistência do apelo principal, ou o não conhecimento do apelo principal por ausência de um dos pressupostos recursais, ou por ser deserto, o recurso de apelação adesivo resta comprometido.

Ainda no primeiro grau, em regra, o apelo deve ser recebido nos efeitos devolutivos, ou seja, toda a discussão ou a matéria impugnada será devolvida ao juízo ad quem, e suspensivo, visto que a decisão ainda não poderá ser executada, cumprida. No entanto, há hipóteses em que pode ser deflagrada a execução provisória sob total responsabilidade do exequente, já que o recurso será recebido apenas no efeito devolutivo, pois a decisão se presta a homologar a divisão ou a demarcação, a prestação de alimentos, a solução de feito cautelar, a rejeitar liminarmente embargos à execução ou julgá-los improcedentes, a reconhecer o pedido de instituição de arbitragem e a conceder ou confirmar a antecipação dos efeitos da tutela[6].

2.3 Da tantum devolutum quantum appellatum e as implicações

O efeito devolutivo é clássico, sendo o efeito por excelência do apelo. Consiste na devolução ao Tribunal da matéria que foi discutida no primeiro grau, na medida do apelo, isto é, da impugnação. Assim, conforme o ataque do apelante aos capítulos da sentença presente no dispositivo[7], seja parcial ou total, o Tribunal recebe a matéria para reexame. Em síntese, a extensão da devolução é a do apelo, conforme preceitua o brocardo latino tantum devolutum quantum appellatum[8].

Por outro lado, há de se admitir a profundidade da devolução, visto que o Tribunal, além de conhecer as matérias impugnadas pelo apelante, poderá também enfrentar todas as que foram suscitadas e debatidas no processo, mas não foram consignadas na sentença, muito menos no dispositivo, assim como as questões anteriores a sentença que sequer foram decididas[9]. Na mesma rota, quando o pedido ou defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um desses, pode o Tribunal apreciar os demais, mesmo que não seja alvo da impugnação, já que não constará na parte preceitual.

Contudo, assente-se que, apesar da possibilidade de extensão do efeito devolutivo, não pode haver inovação fática em sede de apelo. Ou seja, as questões não propostas no juízo inferior, em regra, não poderão ser conhecida pelo Tribunal, salvo se a parte provar que deixou de fazê-lo por motivo de força maior. Tal circunstância difere da hipótese em que o Tribunal confere outra interpretação ao mesmo fato, ou entende por incidência de outra norma ao caso[10]. Neste caso, não há falar em alteração da causa de pedir ou violação ao princípio da congruência, ao contrário do que ocorre na hipótese de inovação sem justificativa plausível.

2.4 Da instrução

Em se tratando de sentença proferida sem resolução de mérito não há falar em instrução, ao menos em tese, já que os pressupostos processuais positivos e negativos, as condições da ação, o abandono, a convenção de arbitragem, dentre outros, em regra, são identificados na fase inicial do feito ou, ao que se espera à luz da economia processual, até a fase saneadora. Já na de mérito, salvo a hipótese de julgamento antecipado da lide, quando a questão é direito, ou sendo de direito e de fato, este já se encontra perfeitamente documentado, ou, ainda, em caso de revelia, há instrução.

Assim, em apreciação de sentença processual que o Tribunal entenda pela regularidade instrumental, anulando o provimento do juízo a quo, deve o feito, salvo a hipótese de questão exclusivamente de direito e “causa madura”, ser remetido a origem para o devido processamento e análise do mérito. Nesta hipótese, o juízo a quo é o natural da instrução, sob pena de supressão da instância teoricamente instrutória, ou inversão dos papeis jurisdicionais.

Em se tratando de sentença de mérito em que tenha ocorrido a instrução e o Tribunal constatando nulidade sanável, poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, sem que os autos desçam ao primeiro grau. Assim, basta intimar as partes para cumpram a diligência determinada, devendo o feito, em seguida, se possível, ser pautado para julgamento do apelo[11].

2.5 Do julgamento e dos efeitos

Com a apreciação do mérito do apelo pelo segundo grau, seja pelo órgão fracionário ou pelo pleno, a depender das hipóteses regimentais, a pretensão recursal pode ser acolhida ou rejeitada, no todo ou em parte. Assim, teremos o provimento pleno ou parcial do recurso que comprometerá o dispositivo da sentença atacada, seja pela anulação ou reforma. Caso a decisão seja no sentido do improvimento a sentença será mantida em seus próprios termos.

Dentre os efeitos decorrentes deste ato podemos citar três: o translativo, o regressivo e o substitutivo. O primeiro possibilita o conhecimento, de ofício, de questões de ordem pública, visto que não impera a preclusão. A incidência deste efeito não nega vigência a reformatio in pejus. Já o segundo acontece em caráter excepcional, pois, em regra, proferida a sentença o juiz não pode alterá-la, até mesmo em caso de retratação. O exemplo que temos diz respeito à retratação no prazo impróprio de 48 horas diante de apelo interposto em face de sentença que indeferiu a preambular. Assim, é efeito aferido no primeiro grau[12].

Por derradeiro, o terceiro e mais importante efeito é o substitutivo. Este preceitua que o provimento do juízo a quo, caso o Tribunal conheça do apelo e enfrente o pedido, é substituído pelo acórdão. Em suma, o acórdão é decisão que substitui outra, qual seja: a sentença atacada.


3 O PROJETO DO NOVO CPC E AS ALTERAÇÕES

Nos últimos meses o famigerado projeto de um novo CPC alcançou o nível de debate esperando, quer seja na academia, que seja no mundo político. Em relação à apelação, até o presente, pouco se pretende modificar. Substancialmente podemos apontar a extinção do juízo de admissibilidade no primeiro grau, devendo o mesmo se limitar ao segundo[13].

Além disso, se propõe que o recebimento do apelo pelo Tribunal somente pode ser no efeito devolutivo, no entanto, ao relator é dado a atribuição do efeito suspensivo em decisão irrecorrível[14].

Pugnam, ainda, pelo elastecimento do juízo de retratação ou efeito regressivo do apelo, possibilitando o exercício do mesmo para todas as hipóteses de sentença sem resolução de mérito, cuja interposição do apelo possibilita o juiz se retratar no prazo de 3 (três) dias[15].

No campo da instrução, acaso o Tribunal entenda pela deficiência das provas poderá converter o julgamento em diligência, podendo o feito descer ao primeiro grau ou ser instruído no próprio segundo[16].

Enfim, para maior economia e em respeito à razoável duração do processo, o legislador indicou em rol exemplificativo as hipóteses em que se configura a causa madura, devendo o Tribunal julgá-las. Assim, sempre que envolver reforma de sentença fundada no art. 472 (coisa julgada em relação a terceiros); declaração de nulidade de sentença por não observância dos limites do pedido; declaração de nulidade de sentença por falta de fundamentação; e, reforma da sentença que reconhecer a decadência ou prescrição, deve o Tribunal julgar de imediato[17].


4 CONSIDERAÇÕES FINAIS.

A apelação cível é o recurso por excelência do processo civil, cujo espectro de cognição do Tribunal é amplo. Ele, enquanto desdobramento do direito de ação e defesa ataca a decisão mestra, ou seja, enfrenta a sentença, provimento terminativo do feito, sendo um dos mais autos pontos da legislação instrumental.

Do presente ensaio percebe-se que, não obstante o sistema ser informado pelo princípio da instrumentalidade das formas, o apelo é, por demais, formal, ou de rigor. Não basta observar os pressupostos processuais e as condições da ação, ele deve seguir uma regularidade de apresentação.

A força da decisão em sede de apelo é tamanha que pode comprometer o trabalho do juízo a quo, quando anulada a sentença. Em suma, é expediente de magnitude opositiva inquestionável.

Por derradeiro, vimos o projeto do novo CPC em pouco inova em matéria de apelo, mantendo todas as diretrizes clássicas, com exceção para hipótese de extinção do juízo de prelibação e a abertura do efeito regressivo.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Projeto de lei n° 166/2010, decorrente do anteprojeto do novo CPC ainda em tramitação no Congresso Nacional.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Capítulos de sentença. São Paulo: Malheiros, 2002.

JORGE, Flávio Cheim. Apelação cível – Teoria geral e admissibilidade. 2ª ed., ver. e atual. São Paulo: RT, 2002.

MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. São Paulo: RT, 2010.

OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Apelação no direito processual civil. São Paulo: RT, 2009.

THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil, v. I, II e III. Rio de Janeiro: Forense, 2008.



[1] MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. São Paulo: RT, 2010.
[2] THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil, v. I. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 258.
[3] THEODORO JR., op. cit., p. 262-266.
[4] THEODORO JR., op. cit., p. 262-266.
[5] JORGE, Flávio Cheim. Apelação cível – Teoria geral e admissibilidade. 2ª ed., ver. e atual. São Paulo: RT, 2002, p. 34.
[6] JORGE, op. cit., p. 42.
[7] DINAMARCO, Cândido Rangel. Capítulos de sentença. São Paulo: Malheiros, 2002.
[8] OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Apelação no direito processual civil. São Paulo: RT, 2009, p. 178 ss.
[9] OLIVEIRA, op. cit., p. 178 ss.
[10] OLIVEIRA, op. cit., p. 178 ss.
[11] OLIVEIRA, op. cit., p. 210 ss.
[12] OLIVEIRA, op. cit., p. 255 ss.
[13] BRASIL. Projeto de lei n° 166/2010, decorrente do anteprojeto do novo CPC ainda em tramitação no Congresso Nacional. Disponível em: . Acesso em: 25/09/2011.
[14] BRASIL, op. cit.
[15] BRASIL, op. cit.
[16] BRASIL, op. cit.
[17] BRASIL, op. cit.

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