Por
Henrique Batista
Após quase 25 anos de sua
promulgação, a Constituição do nosso estado passou por recente e profunda
emenda sob o pretexto de atualização e compatibilidade com a Constituição Federal,
o Texto Maior.
Dentro das inovações
perpetradas pela Assembleia Legislativa, um parágrafo do seu texto, prima facie, me casou estranheza. Isso
porque, além do aparente desrespeito as técnicas de boa redação previstas no
artigo 11 da Lei Complementar Federal n. 95/98, os conceitos indeterminados e
imprecisos utilizados proporcionam amplitude interpretativa que pode conduzir a
desfecho perigoso, aonde, me parece, quis o legislador reformador chegar.
Estou falando do parágrafo
terceiro do artigo 53, da Constituição Estadual, alterado pela Emenda
Constitucional n. 13, de 15 de julho de 2014, publicada no DOE 16.07.2014. Eis
a sua integral redação: “§3º. As decisões
do Tribunal de Contas, de que resulte imputação de débito ou multa, têm
eficácia de título executivo, devendo a Fazenda Pública Estadual ou Municipal,
no âmbito de suas competências, encaminhá-las para execução, e com o reconhecimento da boa-fé, a
liquidação tempestiva do débito ou multa atualizado monetariamente sanará o
processo, se não houver sido observada outra irregularidade na apreciação das
contas”.
Metade do texto referido, em
especial, até a palavra “execução”, preceitua o lógico ao nosso sistema,
inclusive já presente no texto originário, ou seja, que as decisões do Tribunal
de Contas transitadas em julgado – não mais admitem recurso no âmbito
administrativo –, que obriguem gestores responsáveis por danos ao erário a
ressarcir o débito respectivo, assim como a pagar multas em virtude da prática
de irregularidades formais, formam títulos executivos. Por consectário, as
obrigações constituídas terão o seu cumprimento exigido no Judiciário pela
Procuradoria da Fazenda Pública credora, acaso não haja o cumprimento
voluntário pelo responsável.
O trecho final do parágrafo,
por sua vez, ao que me parece, possibilita a tomada de uma solução esdrúxula
que põe em risco o trabalho e a eficácia das decisões do Tribunal de Contas. É
que, encaminhada a decisão do Tribunal de Contas para execução, caso o
responsável efetue o pagamento voluntário (“com o reconhecimento da boa-fé”) do
débito atualizado relativo ao dano ao erário cometido e/ou da multa, o
processo, seja ainda no âmbito administrativo da Procuradoria representativa da
Fazenda Pública Estadual ou Municipal, ou até mesmo judicial, se “sanará”.
Neste prisma, é imperioso
registrar que o cumprimento voluntário ou não das obrigações enseja apenas a
extinção do processo executivo, seja na esfera administrativa ou judicial.
Assim, juridicamente, não há de se falar em extinção da irregularidade. Com isso,
à luz da independência entre as instâncias, nada impede a apuração da conduta
do gestor no âmbito criminal e cível, neste último no tocante à improbidade
administrativa. Além disso, não há óbice em considerar a irregularidade para
fins de restrição eleitoral, haja vista a possível configuração de
inelegibilidade, cuja competência declaratória é da Justiça Eleitoral, e não do
Tribunal de Contas, como consignado no parágrafo sétimo do artigo 53, da
Constituição Estadual, também inserido pela emenda em questão.
Ocorre que a expressão “sanará
o processo” remete a ideia de cura. Logo, teremos a superação da irregularidade
que ensejou o débito, caso adimplido. Sendo assim, ao menos em tese, será
possível esvaziar o trabalho do controle externo exercido pelo Tribunal de Contas,
no combate aos maus gestores. Isso porque, bastará o pagamento para que
irregularidade já considerada “insanável” torne-se sanada. Desta feita, evita-se
que o nome do gestor seja inserido, por exemplo, na lista de gestores com
contas rejeitadas por irregularidade insanável – comumente e erroneamente
denominada de “lista de inelegibilidade” –, o que facilitará o registro de
candidaturas de quem não pode ser votado.
Diante disso, não obstante a
provável inconstitucionalidade, acredito ser necessário rever tal disposição,
pois, do contrário, abrir-se-á espaço no sistema que pode acomodar uma “gaveta”
prejudicial à democracia e aos valores republicanos.
Natal, 23 de julho de 2014.
Henrique Batista é Mestre em
Direito pela UFRN, Professor de Direito do UNI-RN e do IAP Cursos, Assessor de Gabinete no TCE/RN, e Advogado.