sábado, 28 de abril de 2012

O PROCEDIMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA


INTRODUÇÃO

Dentre as garantias constitucionais do processo temos o acesso à justiça. Esta, por sua vez, materializa-se pelo exercício do direito de ação que assiste a todo cidadão e visa um provimento jurisdicional do Estado-juiz, a fim de pacificar um conflito.

Ocorre que a resposta jurisdicional quanto ao direito material, inevitavelmente, deve passar por uma sistemática lógica de aplicabilidade do Direito denominada procedimento. Este é inerente a um processo ou instrumento, por meio do qual se soluciona a lide. Assim, podemos dizer que associada à citada garantia temos o devido processo legal na vertente material e adjetiva.

O procedimento pode ser comum ou especial. Este se distingue daquele em razão da qualidade dos sujeitos da relação jurídico-processual, bem como do bem da vida em questão. Destarte, a regra é a aplicação do procedimento comum, sendo o especial a exceção prevista no CPC ou em lei esparsa, que admite as regras daquele em caráter subsidiário.

Nesta rota, o simplório ensaio visa analisar o procedimento especial da ação civil pública por ato de improbidade administrativa previsto na Lei n° 8.429/92.

1 DA LEI N° 8.429/92: DISPOSIÇÕES GERAIS

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, § 4°, lista as sanções as quais estão sujeitas o agente público que comete ato de improbidade administrativa, quais sejam: suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário.

A Lei Maior, por sua vez, deixou ao legislador infraconstitucional a conceituação do que venha a ser improbidade administrativa, bem como as hipóteses de configuração desta e as formas e gradação das sanções. Em arremate, pontuou que improbidade difere da contravenção e do crime, podendo o mesmo fato ser apurado em instâncias distintas.

O legislador infraconstitucional ao editar a Lei n° 8.429/92, ainda, pontuou que ela se aplica aos agentes públicos lato senso e ao particular que induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma.

Por ato de improbidade administrativa entendeu aquele que importa em enriquecimento ilícito, causa prejuízo ao erário ou atenta contra os princípios da Administração Pública. O primeiro por ser extraído da conduta que tenha por objeto auferir vantagem patrimonial indevida em razão do cargo, mandato, emprego ou atividade nas entidades que o Estado participe. O dano ao erário decorre da ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades que o Poder Público participe. A afronta aos princípios, por sua vez, decorre de qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições.

Assente-se que há enorme dificuldade no enquadramento, pois, além das hipóteses listadas guardarem intrínseca relação uma com a outra, o rol para cada uma delas é meramente exemplificativo. Assim, é comum que o ato que gere dano ao erário tenha violado os princípios da administração pública. Como ambas implicam em graduação diversa de sanção, a jurisprudência, à luz do princípio da subsidiariedade e da vedação ao bis in idem, passou a admitir o enquadramento para as hipóteses sancionatórias mais gravosas.

Por derradeiro, a responsabilidade por ato de improbidade administrativa, assim como a responsabilidade penal, é subjetiva, ou seja, deve ser identificado o elemento culpa ou dolo na conduta do agente público para que se tenha a configuração daquela.

2 DO PROCEDIMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.

2.1 Dos Legitimados


A ação civil pública por ato de improbidade administrativa por ser proposta tanto pelo Ministério Público quanto pela pessoa jurídica lesada e, portanto, interessada.

Em se tratando do parquet a atribuição é determinada pela natureza da Fazenda Pública prejudicada. Assim, caso o interesse seja da União a legitimidade é do Ministério Público Federal, ao passo que se a afronta for em desfavor de Estado e/ou de Município a propositura ficará a cargo do Ministério Público Estadual respectivo. No caso do Distrito Federal, dispõe de atribuição o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, que integra a estrutura do Ministério Público da União.

Caso o Ministério Público não seja parte ele atuará, sob pena de nulidade do feito, como fiscal da lei ou custos legis. Nesta hipótese, a demanda fora proposta pelo ente prejudicado, quer seja a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, que também pode intervir na lide e atuar como litisconsórcio, acaso a propositura tenha sido do parquet.

Na hipótese da demanda proposta pelo Ministério Público em que não haja a participação do ente público lesado, nada impede que este venha a propor, em outro momento, ação que vise o complemento do ressarcimento do patrimônio público, acaso a condenação proposta pelo parquet seja inferior ao dano gerado.

Saliente-se que, na hipótese de ter sido formulado pleito acautelatório em feito prévio, a exemplo a decretação do sequestro ou a indisponibilidade dos bens, a ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta dentro de 30 (trinta) dias a contar da efetivação da medida cautelar.


1.2 Da Competência

A competência para processar e julgar a ação civil por ato de improbidade administrativa tanto pode ser da Justiça Federal quanto da Estadual. Assim, se houver interesse da União a demanda será atraída para o primeiro órgão jurisdicional. Do contrário, em sendo interesse estadual ou municipal cabe à Justiça Estadual.

A grande discussão em torno da competência diz respeito às instâncias. Assim, pende discussão se deve ser aplicada ou não as regras relativas ao foro por prerrogativa de função no procedimento da ação de improbidade administrativa. A regra inclina para a não aplicação. Destarte, pouco importa a “patente política” ou o cargo ocupado, tem-se que é no juízo de primeiro grau onde se inicia a causa. Por outro lado há decisões pontuais que sustentam a extensão do foro privilegiado a esfera civil[1], admitindo que a ação de improbidade contra Governador deve ser julgada originariamente pelo STJ, e contra Ministro do STF, pelo próprio STF. Não há consolidação nem  uniformização dessa matéria[2].


1.3 Da Notificação, Da Defesa Prévia Escrita, da Decisão Inicial e Da Contestação

Como dito alhures, o procedimento em questão guarda estrita relação com o procedimento para crimes cometidos por funcionários públicos. Assim, proposta a ação o juiz notificará o requerido para que apresente defesa prévia por escrito, no prazo de 15 (quinze) dias, devendo instruí-la com documento e justificações.

Recebida a manifestação do requerido, o juiz, no prazo de 30 (trinta) dias, em decisão fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita. Doutra banda, se for recebida a petição inicial, será o réu citado para apresentar contestação onde exporá toda e qualquer matéria de defesa. Contra a decisão referida cabe agravo de instrumento.

1.5 Da instrução

Como não cabe acordo, transação ou conciliação em matéria de improbidade administrativa, vez que o interesse é público e, portanto, indisponível, a eventual audiência marcada deve ser tão somente de instrução, para fins de colheita da prova oral e esclarecimento da pericial, conforme o caso. Para os depoimentos e inquirições, aplica-se as regras ao processo penal.

Saliente-se, por seu turno, que em se tratando de prova documental a ação deve ser instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da existência do ato de improbidade ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas, observada a legislação vigente, inclusive as disposições inscritas nos arts. 16 a 18 do Código de Processo Civil (CPC).

Ao fim, reitere-se que deve ser aplicado o CPC e, se for o caso, no que couber, o CPP, ambos, subsidiariamente, ao procedimento da ação civil por ato de improbidade administrativa.

1.6 Da Sentença

Saneado o feito o juiz pode julgar antecipadamente a lide ou abrir a fase de instrução, a partir da especificação de provas realizada pelas partes. Antes disso, nada impede que o juiz extinga o feito sem resolução de mérito, bastando, para tanto, identificar a inadequação da ação de improbidade, ou seja, que falta condição de procedibilidade, bem como as condições da ação, dentre outros vícios de forma.

No enfrentamento do mérito, o juiz deve aferir sempre o elemento culpa lato senso, que pode ser compreendido tanto pela culpa estrito senso quanto pelo dolo. Assim, ausente o conteúdo subjetivo deve ser julgada improcedente o pleito no tocante aos aspectos sancionatórios ou punitivos, que, ressalte-se, está sujeito a prescrição.

Noutro prisma, configurado e demonstrado o ato de improbidade, a partir do pressuposto subjetivo básico, admite-se tanto a aplicação das sanções quanto à condenação no tocante aos aspectos ressarcitórios em favor da pessoa jurídica prejudicada, cuja pretensão é imprescritível.

Em matéria de sanção, deve o magistrado seguir os parâmetros do nosso sistema para efeito de dosimetria ou gradação, inclusive, valendo-se, analogamente, das circunstâncias judiciais previstas na legislação penal, como: personalidade, conduta social do agente, gravidade da conduta e da lesão, dentre outros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ação civil pública por ato de improbidade administrativa é uma inovação no sistema ao criar sanções eminentemente civis para um ato que também poderá ter implicações penais, políticas e administrativas. Assim, o constituinte e o legislador enaltecem, a partir da probidade e da moralidade administrativa, a ideia de independência entre as instâncias sem cogitar na configuração de bis in idem.

Nesta rota, aquele agente público ímprobo pode responder tanto por crime comum na esfera penal, quanto por crime de responsabilidade ou infração política junto à Casa Legislativa competente, acaso seja agente político. Ademais, pode incorrer em infração administrativa, sujeitando-se a uma advertência, suspensão e até mesmo demissão, em se tratando de servidor ou empregado público. Por derradeiro, ainda pode ser tipificado um ato de improbidade administrativa e, portanto, incorrer nas sanções cíveis previstas na Constituição e na Lei. Assim, um só fato poderá ter diversas implicações em instâncias diversas!

Como visto, o procedimento para aplicação das sanções e/ou a condenação ao ressarcimento por ato de improbidade administrativa é especial, haja vista a qualidade do sujeito, qual seja: agente público e terceiro em conluio com este, bem como do bem da vida envolvido.

Por fim, não obstante seja a improbidade algo diverso de delito, por visar seu procedimento a imposição de sanções, embora não seja pena, o legislador resolveu adotar sistemática análoga a de apuração de crime cometido por funcionário público.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto-lei n° 3.689, de 03 de outubro de 1941. Disponível em: . Acesso em 08 ago. 2011.

BRASIL. Lei n° 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Disponível em: . Acesso em 08 ago. 2011.

BRASIL. Lei n° 8.429, de 02 de junho de 1992. Disponível em: . Acesso em 08 ago. 2011.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 19ª ed. São Paulo: Atlas, 2006.

DIDIER JR., Fredie. Ações Constitucionais. 4 ed. rev., ampl.e atual. Salvador: Juspodivm, 2009.

MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. São Paulo: RT, 2010.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 1ª T., REsp n° 896.516/DF, Rel. Min. Luiz Fux, j, 17/2/2009, DJe 25/3/2009.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 2ª T., REsp n° 737.978/MG, Rel. Min. Castro Meira, j. 19/2/2009, DJe 27/3/2009.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Corte Especial, Rcl n° 2.790/SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 2/12/2009, DJe 4/3/2010.



[1] STJ: Corte Especial, Rcl n° 2.790/SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 2/12/2009, DJe 4/3/2010.
[2] STJ: 1ª T., REsp n° 896.516/DF, Rel. Min. Luiz Fux, j, 17/2/2009, DJe 25/3/2009; 2ª T., REsp n° 737.978/MG, Rel. Min. Castro Meira, j. 19/2/2009, DJe 27/3/2009.

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