INTRODUÇÃO
Dentre as garantias
constitucionais do processo temos o acesso à justiça. Esta, por sua vez,
materializa-se pelo exercício do direito de ação que assiste a todo cidadão e
visa um provimento jurisdicional do Estado-juiz, a fim de pacificar um
conflito.
Ocorre que a resposta
jurisdicional quanto ao direito material, inevitavelmente, deve passar por uma
sistemática lógica de aplicabilidade do Direito denominada procedimento. Este é
inerente a um processo ou instrumento, por meio do qual se soluciona a lide.
Assim, podemos dizer que associada à citada garantia temos o devido processo
legal na vertente material e adjetiva.
O procedimento pode ser
comum ou especial. Este se distingue daquele em razão da qualidade dos sujeitos
da relação jurídico-processual, bem como do bem da vida em questão. Destarte, a
regra é a aplicação do procedimento comum, sendo o especial a exceção prevista
no CPC ou em lei esparsa, que admite as regras daquele em caráter subsidiário.
Nesta rota, o simplório
ensaio visa analisar o procedimento especial da ação civil pública por ato de
improbidade administrativa previsto na Lei n° 8.429/92.
1 DA
LEI N° 8.429/92: DISPOSIÇÕES GERAIS
A Constituição Federal de
1988, em seu art. 37, § 4°, lista as sanções as quais estão sujeitas o agente
público que comete ato de improbidade administrativa, quais sejam: suspensão
dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e o
ressarcimento ao erário.
A Lei Maior, por sua vez,
deixou ao legislador infraconstitucional a conceituação do que venha a ser
improbidade administrativa, bem como as hipóteses de configuração desta e as
formas e gradação das sanções. Em arremate, pontuou que improbidade difere da
contravenção e do crime, podendo o mesmo fato ser apurado em instâncias distintas.
O legislador
infraconstitucional ao editar a Lei n° 8.429/92, ainda, pontuou que ela se
aplica aos agentes públicos lato senso e ao particular que induza ou concorra
para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma.
Por ato de improbidade
administrativa entendeu aquele que importa em enriquecimento ilícito, causa
prejuízo ao erário ou atenta contra os princípios da Administração Pública. O
primeiro por ser extraído da conduta que tenha por objeto auferir vantagem
patrimonial indevida em razão do cargo, mandato, emprego ou atividade nas
entidades que o Estado participe. O dano ao erário decorre da ação ou omissão,
dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação,
malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades que o Poder
Público participe. A afronta aos princípios, por sua vez, decorre de qualquer
ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade
e lealdade às instituições.
Assente-se que há enorme
dificuldade no enquadramento, pois, além das hipóteses listadas guardarem intrínseca
relação uma com a outra, o rol para cada uma delas é meramente exemplificativo.
Assim, é comum que o ato que gere dano ao erário tenha violado os princípios da
administração pública. Como ambas implicam em graduação diversa de sanção, a
jurisprudência, à luz do princípio da subsidiariedade e da vedação ao bis in idem, passou a admitir o
enquadramento para as hipóteses sancionatórias mais gravosas.
Por derradeiro, a
responsabilidade por ato de improbidade administrativa, assim como a
responsabilidade penal, é subjetiva, ou seja, deve ser identificado o elemento
culpa ou dolo na conduta do agente público para que se tenha a configuração
daquela.
2 DO
PROCEDIMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
2.1
Dos Legitimados
A ação civil
pública por ato de improbidade administrativa por ser proposta tanto pelo
Ministério Público quanto pela pessoa jurídica lesada e, portanto, interessada.
Em se tratando
do parquet a atribuição é determinada
pela natureza da Fazenda Pública prejudicada. Assim, caso o interesse seja da
União a legitimidade é do Ministério Público Federal, ao passo que se a afronta
for em desfavor de Estado e/ou de Município a propositura ficará a cargo do
Ministério Público Estadual respectivo. No caso do Distrito Federal, dispõe de
atribuição o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, que integra
a estrutura do Ministério Público da União.
Caso o
Ministério Público não seja parte ele atuará, sob pena de nulidade do feito,
como fiscal da lei ou custos legis.
Nesta hipótese, a demanda fora proposta pelo ente prejudicado, quer seja a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, que também pode intervir
na lide e atuar como litisconsórcio, acaso a propositura tenha sido do parquet.
Na hipótese da
demanda proposta pelo Ministério Público em que não haja a participação do ente
público lesado, nada impede que este venha a propor, em outro momento, ação que
vise o complemento do ressarcimento do patrimônio público, acaso a condenação
proposta pelo parquet seja inferior
ao dano gerado.
Saliente-se
que, na hipótese de ter sido formulado pleito acautelatório em feito prévio, a
exemplo a decretação do sequestro ou a indisponibilidade dos bens, a ação
principal, que terá o rito ordinário, será proposta dentro de 30 (trinta) dias a
contar da efetivação da medida cautelar.
1.2 Da Competência
A
competência para processar e julgar a ação civil por ato de improbidade
administrativa tanto pode ser da Justiça Federal quanto da Estadual. Assim, se
houver interesse da União a demanda será atraída para o primeiro órgão
jurisdicional. Do contrário, em sendo interesse estadual ou municipal cabe à
Justiça Estadual.
A
grande discussão em torno da competência diz respeito às instâncias. Assim, pende
discussão se deve ser aplicada ou não as regras relativas ao foro por
prerrogativa de função no procedimento da ação de improbidade administrativa. A
regra inclina para a não aplicação. Destarte, pouco importa a “patente
política” ou o cargo ocupado, tem-se que é no juízo de primeiro grau onde se
inicia a causa. Por outro lado há decisões pontuais que sustentam a extensão do
foro privilegiado a esfera civil[1], admitindo que a ação de
improbidade contra Governador deve ser julgada originariamente pelo STJ, e
contra Ministro do STF, pelo próprio STF. Não há consolidação nem uniformização dessa matéria[2].
1.3 Da Notificação, Da Defesa Prévia Escrita, da Decisão Inicial e
Da Contestação
Como dito
alhures, o procedimento em questão guarda estrita relação com o procedimento
para crimes cometidos por funcionários públicos. Assim, proposta a ação o juiz
notificará o requerido para que apresente defesa prévia por escrito, no prazo
de 15 (quinze) dias, devendo instruí-la com documento e justificações.
Recebida a
manifestação do requerido, o juiz, no prazo de 30 (trinta) dias, em decisão
fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de
improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita. Doutra
banda, se for recebida a petição inicial, será o réu citado para apresentar
contestação onde exporá toda e qualquer matéria de defesa. Contra a decisão
referida cabe agravo de instrumento.
1.5
Da instrução
Como não cabe acordo,
transação ou conciliação em matéria de improbidade administrativa, vez que o
interesse é público e, portanto, indisponível, a eventual audiência marcada
deve ser tão somente de instrução, para fins de colheita da prova oral e esclarecimento
da pericial, conforme o caso. Para os depoimentos e inquirições, aplica-se as
regras ao processo penal.
Saliente-se, por seu turno,
que em se tratando de prova documental a ação deve ser instruída com documentos
ou justificação que contenham indícios suficientes da existência do ato de
improbidade ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de
qualquer dessas provas, observada a legislação vigente, inclusive as
disposições inscritas nos arts. 16 a 18 do Código de Processo Civil (CPC).
Ao fim, reitere-se que deve
ser aplicado o CPC e, se for o caso, no que couber, o CPP, ambos,
subsidiariamente, ao procedimento da ação civil por ato de improbidade
administrativa.
1.6
Da Sentença
Saneado o
feito o juiz pode julgar antecipadamente a lide ou abrir a fase de instrução, a
partir da especificação de provas realizada pelas partes. Antes disso, nada
impede que o juiz extinga o feito sem resolução de mérito, bastando, para
tanto, identificar a inadequação da ação de improbidade, ou seja, que falta
condição de procedibilidade, bem como as condições da ação, dentre outros
vícios de forma.
No
enfrentamento do mérito, o juiz deve aferir sempre o elemento culpa lato senso,
que pode ser compreendido tanto pela culpa estrito senso quanto pelo dolo.
Assim, ausente o conteúdo subjetivo deve ser julgada improcedente o pleito no
tocante aos aspectos sancionatórios ou punitivos, que, ressalte-se, está
sujeito a prescrição.
Noutro prisma,
configurado e demonstrado o ato de improbidade, a partir do pressuposto
subjetivo básico, admite-se tanto a aplicação das sanções quanto à condenação
no tocante aos aspectos ressarcitórios em favor da pessoa jurídica prejudicada,
cuja pretensão é imprescritível.
Em matéria de
sanção, deve o magistrado seguir os parâmetros do nosso sistema para efeito de
dosimetria ou gradação, inclusive, valendo-se, analogamente, das circunstâncias
judiciais previstas na legislação penal, como: personalidade, conduta social do
agente, gravidade da conduta e da lesão, dentre outros.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
A ação civil pública por ato de
improbidade administrativa é uma inovação no sistema ao criar sanções
eminentemente civis para um ato que também poderá ter implicações penais,
políticas e administrativas. Assim, o constituinte e o legislador enaltecem, a
partir da probidade e da moralidade administrativa, a ideia de independência
entre as instâncias sem cogitar na configuração de bis in idem.
Nesta rota, aquele agente público
ímprobo pode responder tanto por crime comum na esfera penal, quanto por crime
de responsabilidade ou infração política junto à Casa Legislativa competente,
acaso seja agente político. Ademais, pode incorrer em infração administrativa,
sujeitando-se a uma advertência, suspensão e até mesmo demissão, em se tratando
de servidor ou empregado público. Por derradeiro, ainda pode ser tipificado um
ato de improbidade administrativa e, portanto, incorrer nas sanções cíveis
previstas na Constituição e na Lei. Assim, um só fato poderá ter diversas
implicações em instâncias diversas!
Como visto, o procedimento para
aplicação das sanções e/ou a condenação ao ressarcimento por ato de improbidade
administrativa é especial, haja vista a qualidade do sujeito, qual seja: agente
público e terceiro em conluio com este, bem como do bem da vida envolvido.
Por fim, não obstante seja a improbidade
algo diverso de delito, por visar seu procedimento a imposição de sanções,
embora não seja pena, o legislador resolveu adotar sistemática análoga a de
apuração de crime cometido por funcionário público.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto-lei n° 3.689, de 03 de
outubro de 1941. Disponível em: . Acesso em 08 ago.
2011.
BRASIL. Lei n° 5.869, de 11 de janeiro de
1973. Disponível em: . Acesso em 08 ago. 2011.
BRASIL. Lei n° 8.429, de 02 de junho de 1992.
Disponível em: . Acesso em 08 ago. 2011.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito
Administrativo, 19ª ed. São Paulo: Atlas, 2006.
DIDIER JR., Fredie. Ações Constitucionais. 4
ed. rev., ampl.e atual. Salvador: Juspodivm, 2009.
MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do
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SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA. 1ª T., REsp n° 896.516/DF, Rel. Min. Luiz Fux, j, 17/2/2009, DJe
25/3/2009.
SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA. 2ª T., REsp n° 737.978/MG, Rel. Min. Castro Meira, j. 19/2/2009, DJe
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SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA. Corte Especial, Rcl n° 2.790/SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j.
2/12/2009, DJe 4/3/2010.
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