sexta-feira, 22 de maio de 2009

PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA: CAUSAS DE RESOLUÇÃO DE MÉRITO


ARAÚJO NETO, Henrique Batista.




Resumo: O Estado, com base no primado da segurança jurídica, criou mecanismos que tem por finalidade a manutenção da ordem pública e, conseqüentemente da efetivação da paz social, imprimindo certeza às relações jurídicas, contrapondo-se a inércia, a negligência do titular de um direito face ao decurso do tempo. A busca por esta estabilidade justifica a inserção no nosso ordenamento jurídico de institutos extintivos de direitos como a prescrição e a decadência, que ao serem constatados pelo juiz durante a marcha processual, ocasionaram a extinção do feito com resolução de mérito, por meio de uma sentença de mérito ou definitiva que transitada em julgado, produz a coisa julgada material. Neste diapasão, o presente trabalho, fundado na metodologia teórico-descritiva, abordará esta temática de grande importância na aplicação do direito tanto do ponto de vista da norma material quanto instrumental.

Palavras-chave: Prescrição. Decadência. Resolução de mérito.


1 INTRODUÇÃO

O Estado, com base no primado da segurança jurídica, criou mecanismos que tem por finalidade a manutenção da ordem pública e, conseqüentemente a efetivação da paz social, imprimindo certeza às relações jurídicas, contrapondo-se a inércia, a negligência do titular de um direito face ao decurso do tempo. A busca por esta estabilidade justifica a inserção, no nosso ordenamento jurídico, de institutos extintivos de direitos como a prescrição e a decadência.

Os referidos institutos, ao serem pronunciados pelo juiz no desenrolar da marcha processual, desencadeia a extinção do feito com resolução de mérito. Esta temática de extrema importância na aplicação do direito tanto do ponto de vista da norma material quanto instrumental, é objeto de análise do presente trabalho que, funda-se na metodologia teórico-descritiva.

2 O TEMPO COMO FATOR DE LIMITAÇÃO DO EXERCÍCIO DOS DIREITOS

Já preceituava os romanos em um conhecido brocardo: dormientibus non succurrit ius, ou seja, o direito não socorre quem dorme, quem negligencia. Destarte, em singela análise, podemos inferir que o tempo como elemento natural que é, pode tanto criar, como modificar ou extinguir direitos, sendo assim, um fato jurídico natural de grande importância a ser sempre observado pelos homens.

Diante do aludido, com o escopo de evitar as incertezas jurídicas e a instabilidade social, o ordenamento de um Estado tem o dever de limitar o exercício de um direito no tempo, não podendo este ficar pendente indefinidamente. De outro modo, a prerrogativa do titular de fazer valer seu direito deve ficar subordinada ao lapso temporal fixado, em regra, por lei, pois prevalece o interesse público, justificativa para o surgimento de institutos de natureza extintiva como a prescrição e a decadência (VENOSA, 2005).

3 PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA
3.1 Breves relatos históricos


Analisando o passado nos deparamos com a antiga noção de perpetuidade das ações, sendo a prescrição e a decadência, institutos inicialmente estranhos, v.g., ao direito romano. Neste diapasão, nos primórdios, podemos verificar certa proteção à inércia e a negligência dos titulares de direitos violados.

No período ânuo de jurisdição do pretor, surge à necessidade de limitar o exercício do direito de ação no tempo, combatendo assim, a indolência do titular do direito violado, com a distinção entre ações perpétuas e temporárias. Neste sentido, surgiu o instituto da prescrição, conforme Venosa, “como propositura tardia de uma demanda, fora de qualquer questão possessória” (VENOSA, 2005, p. 597), isto é, nas palavras do ilustre civilista Rizzardo, como “um meio de defesa reservado ao possuidor contra terceiros” (RIZZARDO, 2005, p. 615).

Ultimando esta rápida análise histórica, podemos dizer que a prescrição, desde o princípio, sempre esteve mais em voga do que a decadência. Ela se subdividiu em aquisitiva (usucapião) e extintiva. A primeira foi contemplada na Lei das XII Tábuas, sendo reconhecida aos cidadãos e as coisas romanas e, por Justiniano, como forma de aquisição do domínio; já a segunda, surgiu no período de Justiniano como causa de extinção das ações.

Faz-se necessário ressaltar que durante todo este trabalho, trataremos exclusivamente da prescrição extintiva, denominada simplesmente prescrição.

3.2 Direitos subjetivos e potestativos

Para podermos entender e distinguir os institutos da prescrição e da decadência é necessário compreendermos a idéia de direito subjetivo e de direito potestativo. O primeiro diz respeito a uma faculdade atrelada a um dever, concedida pela norma substancial ao titular de um direito violado, fazendo nascer a este, uma pretensão, ou seja, um “poder de exigir uma prestação, um comportamento de outrem” (TEPEDINO; BARBOZA; MORAES, 2004, p. 350). Por exemplo, num contrato de locação de imóvel, o locatário (devedor) se compromete a pagar o aluguel, prestação mensal vencível a cada dia dez (10), ao locatário (credor), mas o direito de exigir a prestação daquele, que configura a pretensão, só nasce no respectivo vencimento, isto é, a cada dia dez (10), se não se verificar o pagamento.

Quanto aos direitos potestativos ou formativos, ou de formação, podemos dizer, que ao contrário dos direitos subjetivos que a pouco nos referimos, estes não fazem nascer pretensões ao respectivo titular, não podendo, portanto, ser lesados, porque são destituídos de deveres. Nas palavras do renomado civilista Amaral, o direito formativo nada mais é do que o direito de “determinar mudanças na situação jurídica de outro sujeito, mediante ato unilateral, sem que haja dever contraposto e correspondente a este poder” (AMARAL, 2006, p. 564). Podemos citar como exemplo, o direito do doador de revogar a doação simples, o do representado de revogar a procuração, e do herdeiro de aceitar ou não a herança, entre outros.

3.3 Conceitos

Conceituar não é tarefa fácil, principalmente quando se trata de institutos jurídicos de tamanha importância como é o caso da prescrição e da decadência. Antes de tudo, devemos ter em mente que, ambos, são de natureza jurídica extintiva de direito, referem-se à matéria de ordem pública e, que, a prescrição está para o direito subjetivo, assim como, a decadência está para o potestativo.

O legislador pátrio, acertadamente, não se preocupou em conceituar os institutos, por ora em análise, tendo em vista que essa tarefa pertence à doutrina. O Código Civil (CC), Lei n. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002, em seu artigo 189, preceitua: “Violado o direito, nasce para o titular à pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206”. Deste dispositivo, pode ser extraído o conceito de prescrição que veremos adiante. Já em relação à decadência, o legislador pátrio apenas disciplinou os princípios atinentes (CC, arts. 207 a 211).

Em relação à prescrição, há três correntes de pensamento que a conceitua, sendo então matéria controvertida no mundo doutrinário. Para a primeira, encabeçada pelos ilustres juristas Caio Mário da Silva Pereira (Instituições, v. 01, 2002, pp. 435-436 apud TEPEDINO; BARBOZA; MORAES, 2004, pp. 349-350) e Eduardo Espínola (Sistema, 2002, p. 621 apud TEPEDINO; BARBOZA; MORAES, 2004, pp. 349-350), em linhas gerais, a prescrição atinge o próprio direito material; por outro lado, para a segunda corrente, defendida por Clóvis Beviláqua (Código civil, p. 458 apud TEPEDINO; BARBOZA; MORAES, 2004, pp. 349-350), Câmara Leal (Da Prescrição, p. 26 apud TEPEDINO; BARBOZA; MORAES, 2004, pp. 349-350), Paulo Nader (Curso, p. 567 apud TEPEDINO; BARBOZA; MORAES, 2004, pp. 349-350), Washington de Barros Monteiro (Curso, pp. 286-287 apud TEPEDINO; BARBOZA; MORAES, 2004, pp. 349-350) e Arnaldo Rizzardo (Parte geral, pp. 566-567 apud TEPEDINO; BARBOZA; MORAES, 2004, pp. 349-350), em outras palavras, a prescrição não atinge o próprio direito material e sim o direito de ação. A terceira e última corrente a qual nos filiamos, e que tem o nobre jurista Humberto Theodoro Júnior como defensor, é inspirada no Direito Alemão (Anspruch, BGB, § 194), sendo a consagração das teorias abstratas do direito de ação, onde a pretensão é objeto da prescrição, restando assim, ao titular do direito, tanto o direito de ação quanto o direito subjetivo ilesos ao transcurso do prazo prescricional (TEPEDINO; BARBOZA; MORAES, 2004). Neste sentido, assevera ainda o saudoso jurista Hélio Tornaghi apud Theodoro Júnior (2006, p. 354):

[...] com a prescrição não desaparece o direito e sim a possibilidade de fazê-lo valer. Também a ação fica de pé, pode ser movida; será inútil para fazer valer o direito, mas terá utilidade de obter uma decisão judicial que espanque dúvidas quanto à prescrição (grifo do autor).

Diante do exposto, podemos conceituar a prescrição como sendo a sanção extintiva da pretensão do titular de um direito violado, imposta pelo ordenamento jurídico, em virtude de sua inércia, negligência quanto à observância do lapso temporal fixado em lei, para exigibilidade de direitos subjetivos patrimoniais disponíveis em juízo.

Coadunando com o aludido, o Supremo Tribunal Federal (STF), conforme menciona a Revista dos Tribunais (RT), STF-RT 732/157 apud Nery Júnior; Nery (2001, p. 367), preceitua:

[...] a prescrição é causa extintiva da pretensão e não do direito abstrato de ação. Por isso, é instituto de direito material, a ela se aplicando a lei do tempo em que teria ocorrido, e não sendo alcançada, portanto, por preceito constitucional posterior, cuja aplicação imediata implica apenas que este alcança os efeitos de fatos passados, e não os fatos já consumados no passado (grifo do autor).

Quanto ao instituto da decadência ou caducidade, sem delongas, podemos conceituá-lo como sendo a perda do próprio direito em sua substância, in casu, os direitos potestativos disponíveis ou indisponíveis, ocasionada pela inércia do titular do direito, diante dos prazos estipulados em lei ou pela convenção, para o efetivo exercício, pois os referidos direitos nasceram com um prazo certo de eficácia.

Por último, em um rápido sobrevôo sobre a classificação das ações, é válido ressaltar que, em suma, as ações condenatórias sujeitam-se à prescrição; às constitutivas à decadência; e, as declaratórias são imprescritíveis. Quanto à decadência, a jurisprudência pátria entende: “Decadência – direitos a ela sujeitos. Os únicos direitos sujeitos à decadência são os potestativos – só as ações constitutivas caducam” (RF 266/213 apud TEPEDINO; BARBOZA; MORAES, 2004, p. 419). Neste sentido, doutrinadores como Paulo Nader, Curso, p. 585; Francisco Amaral, Direito Civil, p. 561; Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Novo Código Civil, p. 120 apud TEPEDINO; BARBOZA; MORAES (2004, p. 419).



3.4 Prazos. Argüição

Fundado na manutenção da paz social, com base na certeza e segurança nas relações jurídicas, os prazos prescricionais, assim como os decadenciais, são de natureza pública, tratando de normas específicas, onde as partes não podem dispor de forma diversa. Eles estão disciplinados em lei, como já dito, não podendo ser alterados pelo titular do direito, sendo, portanto, peremptórios. Os decadenciais também podem surgir de convenção, mesmo assim, face ao interesse público do apaziguamento social, continua sendo também de ordem pública.

Os prazos prescricionais estão previstos na Seção IV, do Título IV, do Livro III da Parte Geral do Código Civil, precisamente nos arts. 205 e 206, podendo ser classificados como: ordinário ou comum e, especiais. O primeiro, mais longo e único, é dez (10) anos, conforme o citado art. 205, primeira parte, e destina-se às ações de caráter ordinário; já os especiais, consoante o retro citado artigo, in fine, referem-se a certos direitos expressamente mencionados. Neste, a lei fixa prazos inferiores a dez (10) anos, como previsto no art. 206, §§ 1º ao 5º, em que são anuais, bienais, trienais, quadrienais e qüinqüenais, sendo graduados de acordo com a natureza do direito. Por exemplo, prescreve em dois (02) anos à pretensão para haver prestação alimentícia, a partir da data em que se vencer (CC, art. 206, § 2º); por outro lado, prescrevem em três (03) anos à pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos ou rústicos; a relativa a ressarcimento de enriquecimento sem causa; e, a relativa à reparação civil (CC, art. 206, § 3º, I, IV e V).

Ademais, é válido ressaltar que a exceção prescreve no mesmo prazo que a pretensão (CC, art. 190); e ainda, que, estes prazos referem-se ao exercício de direitos patrimoniais disponíveis, pois os indisponíveis, como, por exemplo, os direitos da personalidade (o direito à vida, à honra, à imagem, ao nome e etc.), de família (o direito a alimentos, à filiação e etc.), e de estado (o direito à ação de separação judicial e etc.), são imprescritíveis.

A prescrição começa a correr no momento em que nasce o direito de exigir (pretensão) a reparação do dano; e, iniciada contra uma pessoa continua a correr contra o seu sucessor (CC, art. 196), no entanto, há causas que impedem, suspendem ou interrompem a contagem do prazo prescricional.

As causas que impedem a contagem do prazo prescricional independem da vontade humana, sendo fatos objetivos previstos em lei que se tornam verdadeiros obstáculos a abertura do prazo, v.g., não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes (CC, art. 198, inciso I).

A suspensão, nada mais é do que a cessão temporária do prazo prescricional em curso, onde com o fim do óbice que a causou, o prazo é recontado, com inclusão do já computado. Por exemplo, no caso de pendência de ação de evicção, o prazo de pretensão que dependa de efeitos do desenrolar da citada demanda, é suspenso até o fim da lide, sendo novamente aberto ao fim desta, e recontado com inclusão do prazo já decorrido até o momento da propositura da ação. Por último, quanto à interrupção, podemos dizer que é causada por fatos subjetivos, ou seja, a sua ocorrência depende da vontade humana, podendo ser feita por qualquer interessado. Esta pode ocorrer apenas uma vez e, é responsável pelo impedimento do fluxo normal do prazo, ocorrendo a inutilização do já em curso, isto é, com o fim da interrupção, abre-se um novo prazo sem descontar o tempo anteriormente decorrido. Podemos citar o protesto cambial como causa de interrupção da prescrição.

Ultimando a análise dos prazos prescricionais, podemos dizer que estes encobrem a eficácia da pretensão, pois atendem à conveniência do ordenamento jurídico, não perdurando por demasiado tempo à exigibilidade (MIRANDA, 1998).

Quanto à argüição da prescrição, é pacífico que pode ser realizada em qualquer grau de jurisdição, desde que sempre pela parte a quem aproveita, “a menos em recurso extraordinário no STF” (WASHINGTON, Curso de direito civil, 1997, p. 286 apud Amaral, 2006, p. 570). Além disso, ela pode ser renunciada expressa ou tacitamente, em casos que não prejudiquem terceiros depois que a mesma se consumar (CC, art. 191 e 193).

Em relação aos prazos decadenciais, ao contrário dos prescricionais, podemos dizer que estão espalhados, constantes nos institutos específicos, tanto na parte geral como na especial do Código Civil. Eles atingem tanto os direitos potestativos disponíveis como os indisponíveis. Por último, são originados também pelas convenções, além, de ditos fatais, pois não estão sujeitos a causas de impedimento, suspensão ou interrupção do prazo. São exemplos de prazos decadenciais os previstos nos arts. 179, 445, 501, 504, 505, 512, parágrafo único do art. 513, 516, 550, 554, 559, 1.481, 1.555, 1.560, §2º do 1.560, 1.614, parágrafos único do art. 1.815 e do 2.027, todos do Código Civil.

Por fim, a decadência estabelecida em lei deve ser conhecida de ofício pelo magistrado, por outro lado, quando convencional, deve ser argüida em qualquer grau de jurisdição pela parte a quem aproveita, não podendo o juiz suprir a alegação. Ademais, ao contrário da prescrição, “é nula a renúncia à decadência fixada em lei” (CC, arts. 209 a 211).

4 RESOLUÇÃO DE MÉRITO
4.1 Considerações


Na divisão das funções estatais, com base no princípio da separação dos poderes, coube ao Poder Judiciário a função jurisdicional, ou seja, o poder de dizer o direito. Do exercício desta função típica, ao Judiciário foi atribuída a difícil tarefa de compor os litígios, através de um processo, meio dinâmico e complexo que surge com a iniciativa da parte que vê seu direito sendo lesado ou ameaçado, conforme os princípios da demanda e da indeclinabilidade ou acesso à justiça. O cidadão busca a tutela jurisdicional, através da ação – mecanismo hábil ao rompimento da inércia típica do judiciário –, que é posta na sentença de mérito ou na satisfação do credor.

Com a petição inicial e após a citação válida, forma-se a tríade processual, onde o autor (pretensão) e o réu (resistência) se encontram no mesmo pé de igualdade, estando o juiz, representando a soberania do Estado, diante do caráter substitutivo, acima das partes numa posição eqüidistante durante toda a marcha processual. Neste diapasão, eventualmente, pode ocorrer o que Carnelutti denomina “crise do processo”, que são obstáculos que impede momentânea ou definitivamente que a relação processual prossiga, causando suspensão ou extinção prematura do feito com ou sem resolução de mérito. Dentre estes obstáculos, podemos citar a prescrição e a decadência, como óbices definitivos.

4.2 Resolução de mérito. Sentença. Extinção do feito

O mérito da causa é o pedido formulado pelo autor na petição inicial. Neste sentido, extingue o feito com resolução de mérito sempre que algo atingir o direito material, a pretensão do autor, ressalvada sempre a fiel observância ao devido processo legal. Para o magistério de Liebman, prescrição e decadência é matéria de mérito, sendo assim, no exame do mérito da causa, torna-se natural afirmar que ambos os institutos estão ligados ao perecimento do direito material, e não ao poder de ação (CÂMARA, 2004).

No desencadeamento da marcha processual, acreditamos que o momento oportuno para o magistrado analisar a incidência tanto da prescrição como da decadência, é na fase saneatória do feito, logo após o fim do prazo de resposta do réu, pois é nesse momento que devem ser adotadas as providências preliminares. No caso da prescrição, se tratar de direitos não patrimoniais, consoante o § 5° do art. 219, do CPC, deve o juiz decretar de ofício, assim como também, em caso de direito patrimonial, se favorecer a pessoa absolutamente incapaz. Nos demais casos de direito patrimonial, deve o interessado invoca-la, desde que seja beneficiado. Quanto à decadência, o juiz, deve decretá-la de ofício, salvo no caso de prazo convencionado, onde é necessária a alegação.

Com fulcro no dito acima, a prescrição e a decadência não são condições da ação nem pressupostos processuais, e sim, preliminares de mérito. O juiz, antes de realizar a análise da matéria de fundo, deve analisar a presença ou não dos citados institutos e, uma vez pronunciando-os, desde logo rejeitará o pedido, no estado em que o processo estiver, independentemente do exame dos demais fatos e provas dos autos. Neste sentido, desaparece qualquer sentido em julgar o pedido, mesmo assim, haverá resolução de mérito, findando-se com a sentença definitiva, de natureza condenatória quanto à prescrição e, constitutiva quanto à decadência que, após o trânsito em julgado, se encobre com o manto da coisa julgada material, tornando a decisão indiscutível e imutável quanto a matéria analisada, salvo em caso de ação rescisória ajuizada antes de passados dois (02) anos da decisão.

Finalizando, num rápido sobrevôo, devemos lembrar que com a vigência da Lei n. 11.232, de 22 de dezembro de 2005, o art. 269, caput, do Código de Processo Civil (CPC), que preceituava: “extingue-se o processo com julgamento de mérito:”, sofreu uma considerável alteração na sua redação para adapta-se a tão discutida reforma do nosso processo civil. O citado dispositivo, atualmente, preceitua: “Haverá resolução de mérito: [...] IV – quando o juiz pronunciar a decadência ou a prescrição”, destarte, deixou a solução do mérito de ser vista como causa necessária a extinção do feito, consoante o princípio do sincretismo processual. Este princípio dividiu o processo em fases - a de cognição e a executiva -, eliminando, conseqüentemente, a ação autônoma de execução de sentença condenatória, salvo os casos de sentença estrangeira, arbitral e penal condenatória transitada em julgado. Assim, na própria relação processual em que se decidiu sobre o mérito, inicia-se a execução do título judicial por meio de um procedimento simplificado de cumprimento de sentença, tornando assim, o julgamento de mérito apenas uma etapa do procedimento. Na atual fase do processo civil brasileiro, resta dizer que a sentença é, porém, - fora dos casos de condenação -, o último ato jurisdicional antes do encerramento da relação processual de conhecimento. Por fim, é válido ressaltar que, mesmo sendo, a sentença definitiva que pronuncia a prescrição resolvendo o mérito, de natureza condenatória, ocorrerá a extingue do feito desde logo, pois não se pode continuar numa relação jurídica processual, onde o direito material já pereceu.

Corroborando a óptica abordada, para finalizar, colacionamos, a seguir, decisões proferidas pelo Colendo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJ/RS):

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. AÇÃO ANULATÓRIA. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. ANULAÇÃO DE ATOS TRANSLATIVOS DE PROPRIEDADE. ALEGAÇÃO DE SIMULAÇÃO NA FORMAÇÃO DO CONTRATO. DECADÊNCIA DO DIREITO. PRAZO. TERMO INICIAL. 178, § 9º, INCISO V, DO CCB/1916. É de decadência o prazo para anular negócio jurídico realizado com vício de consentimento, cujo termo a quo, na hipótese, iniciou-se com o registro do contrato que se objetiva nulificar. Os prazos prescricionais apanham apenas os direitos subjetivos sujeitos a uma violação, presumindo-se um direito substantivo já exercido pelo titular, já transformado em ato, e que foi objeto de resistência por outrem. Os prazos decadenciais, por outro lado, porque o direito do titular existe apenas em potência, não em ato, alcançam os direitos subjetivos não sujeitos a uma violação, chamados faculdades, bem como não possuem causas suspensivas ou interruptivas. Prazo decadencial que não se sujeita às causas suspensivas e interruptivas aplicáveis à prescrição. Reconhecida a decadência, extingue-se o processo, com resolução de mérito. RECURSO DESPROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível n. 70014207757, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 30/03/2006) grifo do autor.

EMENTA: AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO OBRIGATÓRIO DPVAT. EVENTO MORTE. PRETENSÃO FULMINADA PELA PRESCRIÇÃO. PRAZO TRIENAL DECORRIDO ENTRE O MARCO INTERRUPTIVO DA PRESCRIÇÃO QUE FINDOU COM O PAGAMENTO PARCIAL E A PROPOSITURA DA DEMANDA. EXTINÇÃO DO PROCESSO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, DE OFÍCIO. (TJRS. Recurso Cível n. 71001189745, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Mylene Maria Michel, Julgado em 24/01/2007)

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de toda a exposição, concluímos a abordagem material e instrumental sobre os institutos da prescrição e da decadência, ressaltando a grande importância deles face à necessidade de certeza, de segurança nas relações jurídicas e, conseqüentemente, de apaziguamento do seio social em contraposição aos conflitos de interesse.

Por fim, conforme foi visto, a presença desses institutos de natureza extintiva no ordenamento jurídico de um Estado, se faz necessário, pois é de interesse público o combate às incertezas jurídicas e a instabilidade social. Neste sentido deve-se limitar o exercício de um direito no tempo, pois este não pode ficar pendente indefinidamente, sendo assim, à extinção prematura do feito nos casos de prescrição e decadência, mediante sentença definitiva que resolve o mérito, é extremamente salutar para manutenção da ordem pública.


REFERÊNCIAS

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Artigo publicado na Revista In Verbis, Ano XII, 22 Ed. UFRN: Natal/RN, 2007 (ISSN: 1413-2605).

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