sexta-feira, 22 de maio de 2009

A (IN)VIABILIDADE DA APLICAÇÃO DO CONTRATO DE FRANQUIA ÀS RELAÇÕES ENTRE DISTRIBUIDOR E REVENDEDOR DE COMBUSTÍVEIS





ARAÚJO NETO, Henrique Batista;
ALVES, Victor Rafael Fernandes.




1 INTRODUÇÃO

É inegável a importância de toda e qualquer atividade econômica para o desenvolvimento de um país. O Brasil adotou o sistema capitalista, prevendo a nossa Carta Magna de 1988 a livre concorrência como princípio norteador da ordem econômica. Esta, por seu fim, funda-se na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, com o escopo de assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social.
Na legislação infraconstitucional encontram-se diplomas normativos objetivando assegurar essa premissa do sistema constitucional, por exemplo, a Lei nº 8.884/94 que criou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).
Dentro da nova sistemática implantada após a Emenda Constitucional de n.° 9/95 e, por conseqüência, a Lei do Petróleo (Lei n.° 9.478/97), tal fato não é diferente, isto é, na cadeia produtiva – do setor upstream ao downstream – diante da flexibilização do monopólio, o princípio da livre concorrência impera, cabendo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) a regulação do mercado.
Com efeito, frise-se que, diferentemente da exploração, desenvolvimento, produção, transporte, processamento e refino, o mercado na distribuição e revenda de combustíveis sempre foi livre de monopólio, restando aos agentes econômicos o seu manejo com a interferência indireta do Estado com o fito de garantir o abastecimento em todo o país, em respeito aos princípios da dignidade da pessoa humana e do interesse nacional. É nesse segmento que, com fulcro na metodologia teórico-descritiva, analisaremos o contrato de franquia e a verticalização na indústria do petróleo.

2 O SETOR DOWNSTREAM
2.1 DISTRIBUIÇÃO E REVENDA

Conforme apontado, o setor downstream no Brasil sempre foi imune ao monopólio estatal. Esse é formado, nos ensinamentos da mais abalizada doutrina, pela distribuição e pela revenda, sendo o mais dinâmico de toda cadeia, conforme abordaremos nas vindouras linhas com uma sucinta análise histórica.
Pois bem. A distribuição sistemática de derivados de petróleo no Brasil, realizada em latas e tambores, teve início em 1912. Como marcos, apontamos, em 07 de julho de 1922, a entrada no mercado brasileiro da Atlantic Refining Company of Brazil, assim como, em 1934, o funcionamento da Destilaria Rio Grandense S.A. em Uruguaiana, Rio Grande do Sul, que deu origem em 1937 a primeira Refinaria de Petróleo do país[i].
No esteio da regulação do setor não podemos deixar de registrar a criação do Conselho Nacional do Petróleo, pelo Decreto-Lei nº 395, de 29 de abril de 1938, com o objetivo de, dentre outros, regular e fiscalizar as atividades de exploração, refino, importação, distribuição e comercialização de petróleo e seus derivados. Em 1941, ocorreu à criação da Associação Profissional do Comércio Atacadista de Minérios e Combustíveis, que deu origem, em última análise, ao atual Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes - SINDICOM[ii].
Após uma decisiva campanha popular notoriamente denominada “o petróleo é nosso” foi estabelecido o monopólio da União sobre a lavra, refinação e transporte marítimo do petróleo e seus derivados, sendo criada a Petrobrás para exercê-lo, de acordo com a Lei nº 2.004, de 3 de outubro de 1953. Nesta, o setor downstream continuou ileso de controle direto estatal[iii].
Consagrado o monopólio da União sobre o petróleo e seus derivados, através da Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988, o setor downstream, mais uma vez não foi atingido, ficando, em regra, a cargo da livre iniciativa (CF, art. 238)[iv], ressalvada a interferência mínima estatal, no esteio do interesse nacional no abastecimento energético do país.
No governo Collor, em verdadeira política neoliberal, iniciou-se a abertura do mercado brasileiro com a criação do Programa Federal de Desregulamentação, sendo estabelecido o critério de preços máximos nos postos revendedores e liberados os preços do querosene iluminante e dos lubrificantes automotivos. Nesse momento surgiu o Departamento Nacional de Combustíveis com a extinção do Conselho Nacional do Petróleo[v].
Em decorrência da abertura já sinalizada no cenário nacional, apontamos como mais importante marco do século passado na indústria do petróleo no Brasil no aspecto jurídico, a Emenda Constitucional de n.º 9, de 9 de novembro de 1995, então responsável pela flexibilização do monopólio. Todavia, esta em nada modificou a ingerência estatal no setor de distribuição e revenda[vi].
Como forma de regulamentação da flexibilização e abertura do mercado estatuída pela EC n.º 9/95, o Congresso Nacional fixou o atual marco regulatório com a aprovação da Lei n.º 9.478, de 6 de agosto de 1997, que criou a atual Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), sendo extinto o Departamento Nacional de Combustíveis (DNC), por meio do Decreto nº 2.455, de 14 de janeiro de 1998[vii].
Em relação ao setor downstream, consoante o seu rol de atribuições, a ANP no ano 2000 editou a Portaria n.º 116/2000, que cuidou de regulamentar o exercício da atividade de revenda varejista de combustível automotivo. Nesse diploma, em respeito a livre concorrência, o Estado optou por vedar a participação do distribuidor na revenda varejista, salvo a hipótese do posto escola[viii]. Em outro pórtico, mediante a Resolução ANP nº 07/2007, proibiu a venda pelas distribuidoras a postos de outras bandeiras, assim como, restringiu a venda entre distribuidoras em até 5%.
Por derradeiro, diante da preocupação do homem neste século com o meio ambiente e a busca por fontes de energias limpas com forma de diversificação da matriz energética nacional, foi criado o Programa Nacional do Biodiesel em 2005, por meio da Lei 11.097/05, que estabeleceu percentuais mínimos de mistura do novo produto ao diesel, sendo obrigatório a partir de 1º de janeiro do corrente ano, a adição de 2% de biodiesel a todo óleo diesel comercializado no Brasil. (Resolução 05/2007 – CNPE).[ix]
Feito esse traçado histórico-cronológico, em que foram priorizados os registros dos marcos regulatórios do setor, fixamos a seguir alguns conceitos base, além de dados que revelam a importância do segmento dentro da indústria do petróleo nacional.
Ressalte-se que a Lei do Petróleo foi de extrema clareza, em verdadeira interpretação autêntica, ao inserir em suas definições técnicas as conceituações do que viria ser revenda e distribuição.
Assim, conforme dispõe a lei de regência da matéria (Lei n.º 9.478/97, art. 6º, XX e XXI)[x], distribuição consubstancia-se em uma atividade de comercialização por atacado com a rede varejista e grandes consumidores, enquanto a revenda compreende-se como sendo a venda a varejo de combustíveis.
Atualmente, o Brasil possui mais de 35 mil postos revendedores. Para se ter uma idéia da grandiosidade do mercado, “no ano passado foram comercializados 88 bilhões de litros de combustíveis, R$ 162 bilhões de faturamento, R$ 52 bilhões em arrecadação de tributos e mais de 370 mil empregos direto e indiretos”, conforme informações prestadas ao jornal Tribuna do Norte[xi]por Celso Guilherme Borges, gerente comercial da Fecombustível.
Sem mais delongas, cita-se, entre outras, a Air Bp, a Alesat, a Br Distribuidora – Petrobrás, a Castrol, a Chevron, a Ipiranga, a Ello-Puma, a Esso, a Federal, a Texaco, a Total, a Shell e a Repsol[xii] como as principais distribuidoras e bandeiras de revenda que operam no país, tendo em vista que grande parte dos revendedores varejistas optam por exibirem a marca do distribuidor, padecendo da obrigatoriedade de comercializar apenas combustíveis e produtos do distribuidor detentor da marca comercial cedida.

2.2 A PORTARIA ANP N.° 116/2000 E A VEDAÇÃO A VERTICALIZAÇÃO
Como já dito, o principal diploma que rege a interação econômica entre distribuidor e revendedor varejista é a Portaria ANP n.° 116/2000. Esta dispõe, entre outros, sobre: o registro do revendedor varejista de combustíveis automotivos junto à ANP; a obrigação do mesmo de informar ao consumidor, de forma clara e ostensiva, a origem do combustível comercializado, podendo exibir ou não bandeira (marca) do seu distribuidor; a obrigatoriedade de só adquirir combustíveis junto à distribuidora registrada e autorizada pelo órgão regulador; a garantia do combustível comercializado como dever do posto revendedor. Por fim, ainda preceitua a vedação de o distribuidor atuar na revenda, ressalvado o caso de posto escola.
Assim, no esteio dos fundamentos da ciência econômica, dentro da ação regulatória da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), em especial no setor dowstream, verifica-se a vedação ao fenômeno da verticalização.
O fenômeno denominado de verticalização se caracteriza por ser, em termos da ciência econômica, o processo no qual uma empresa assume o controle sobre mais de um estágio da cadeia produtiva de um determinado produto. Conforme ensinamentos do economista Porter (1986) da Harvard Business School – considerado a maior autoridade mundial em estratégia competitiva – a integração vertical seria a união de vários processos de produção, distribuição, vendas, ou seja, uma mesma companhia acoberta inúmeras fases, ou todas, de uma cadeia produtiva, ou processos tecnologicamente distintos dentro de uma mesma empresa.
Desse modo, a regulação preceitua, em outras palavras, que cada agente econômico atuará em um determinado estágio (ou etapa) da cadeia produtiva, para maior resguardo e estímulo às práticas competitivas, como bem é lastreada na flagrante distinção perfilhada na Portaria ANP n.° 116/2000, artigo 12, caput[xiii], como dito, que veda ao distribuidor de combustíveis atuarem, simultaneamente, no varejo, reafirmando o princípio constitucional concernente à livre concorrência.

3 A RELAÇÃO DISTRIBUIDOR E REVENDEDOR
3.1 OS CONTRATOS CLÁSSICOS


A relação entre distribuidor e revendedor é marcada, em regra, por intensas avenças de trato exclusivamente privado, com normas de estrita coordenação. Com a revolução técnico-científica e o fenômeno da globalização, o antigo posto de combustível saiu de cena para dar lugar ao novo posto de serviços, verdadeiro centro de transações comerciais. Nesse sentido, o clássico contrato de compra e venda mercantil desvirtuou-se com a necessidade do surgimento de inúmeros pactos adjetos, muitos deles atípicos, haja vista, a rapidez das transformações sócio-comerciais.
A compra e venda mercantil é o pacto clássico do setor downstream. Caracteriza-se por ser um contrato consensual, bilateral, oneroso e comutativo, consistindo, de forma singela, em um pacto para aquisição e revenda de combustíveis e demais derivados de petróleo, celebrado entre agentes econômicos que atuam, em regra, nas etapas finais da cadeia produtiva da indústria do petróleo.
Do desenvolver da atividade exsurge a necessidade do empréstimo de bombas de combustíveis das distribuidoras para os postos clientes destas, por exemplo. Com efeito, nasceu o comodato de equipamentos em espécie simples ou modal.
A cessão de uso de marcas, propaganda e publicidade dessas, produtos e serviços, diante do poder dos signos no mundo globalizado influenciou o setor downstream, passando os postos de serviços a ostentar a bandeira (ou marca) do distribuidor, com exclusividade na venda de produtos da mesma linha.
Além desses, apontamos o contrato de locação e sublocação de imóvel para posto de combustíveis, o de financiamento para reforma ou construção do posto de combustíveis, o de mútuo de dinheiro para capital de giro, o de garantias de hipoteca ou fiança e o de instalação e exploração de loja de conveniência[xiv].
Registre-se também que muitas das distribuidoras (por exemplo, BR Distribuidora) preferem celebrar contratos do tipo comissão mercantil, nos imóveis de sua propriedade. Nesse tipo de avença a distribuidora constrói o posto de serviço e cede o uso do estabelecimento comercial ao revendedor varejista para ser por ele explorado, tendo como contrapartida o pagamento de comissão mercantil, cujo valor circunscreve a potencialidade de venda e a margem de lucros da revenda dos produtos, por meio de prestação de contas. [xv]

3.2 A FRANQUIA: VIABILIDADE?

Rompendo com o modelo clássico, diante da maior exigência de um mercado por demais competitivo, sinaliza-se a adoção da franquia no setor downstream dadas as múltiplas e complexas operações realizadas simultaneamente. A franquia, consoante definições propostas por doutrinadores do quilate de Gomes, Martins e Chaves, citados por Bulgarelli[xvi] , extrai-se basicamente ser um contrato bilateral, consensual, comutativo, oneroso, de duração operacional contínua, celebrados entre empresas (dado o caráter de autonomia das partes, uma em relação à outra), com exclusividade ou delimitação territorial, tendo como objeto a cessão do uso da marca (conjuntamente ou não com o produto, podendo este ser fabricado pelo franqueador) ou o título de estabelecimento ou nome comercial, com assistência técnica, mediante o pagamento de um preço legalmente, ou seja, uma porcentagem sobre o volume de negócios, preço que se pode designar pelo termo royalties.
A Lei n.º 8.955, de 15 de dezembro de 1994, deu tipicidade ao contrato de franquia no Brasil, regulando de forma rigorosa e pormenorizadamente as cláusulas e condições do pacto, o que denota um verdadeiro sistema. É modelo originário do direito norte-americano, tendo decorrido das novas técnicas negociais, no campo da distribuição e venda de bens e serviços no mundo globalizado, sendo um sistema de rígida disciplina jurídica em contraposição ao de ampla liberdade[xvii]. A franchising no Brasil caracteriza-se por ser um contrato complexo, padrão, escrito, assinado por duas testemunhas e válido, independentemente, de ser levado a registro perante cartório ou órgão público, porém com necessidade de circular de oferta de franquia, taxa de filiação e royalties.
Como visto, em virtude das constantes mudanças advindas desse vertiginoso movimento de instantaneidade e multiplicidade das relações sociais e comerciais, os institutos jurídicos não conseguem acompanhar a dinâmica dessas alterações. Sendo assim, defende-se que os contratos existentes hodiernamente entre os postos revendedores e as distribuidoras não mais conseguem abarcar a teia de pactos existentes.
Outrossim, surgiu a possibilidade dentro do cenário da globalização (poder dos signos, marca, bandeira, estratégia de mercado) do contrato de franchising substituir o clássico modelo dos contratos de compra e venda e pactos adjetos na relação jurídica firmada entre distribuidor-revendedor, por tratar-se de instituto de feição mais moderna, suscitada como mais apta a abranger este complexo de relações, conforme as novas técnicas negociais, sendo a Companhia Shell a pioneira no Brasil[xviii].
Conforme já mencionado, a franchising tem como diploma normativo no Brasil a Lei n. 8.955/94, caracterizando-se por ser um contrato classificado doutrinariamente como bilateral, consensual, comutativo, oneroso e de duração. É um contrato de rígida disciplina jurídica, contrapondo-se ao regime de liberdade mercadológico, sendo tido como forma de dominação do mercado. Nesse contexto, é evidente que nesse modelo de contrato há uma grande ingerência do franqueador.
Apesar de ser omissa a regulação do setor dowstream no que diz respeito à franquia, do ponto de vista legal, jurídico, contratual e regulatório, vislumbra-se a possibilidade da aplicação desta. Todavia, da forma em que está posto o marco regulatório, acredita-se ser possível apenas em relação empresarial entre meros revendedores e, não, na relação distribuidor-revendedor, pois, nesse caso sub examine, estaria ocorrendo uma verticalização camuflada, o que veda, expressamente, o artigo 12, caput, da Portaria ANP n.° 116/2000[xix], salvo mudança na sistemática atual.

4 IMPLICAÇÕES DA FRANCHISING NO SETOR

Explicitadas, mesmo que sumariamente, as feições do contrato de franquia bem como uma pretensa viabilidade do referido instrumento negocial, cumpre apreciar os reflexos da adoção desta nova sistemática, no âmbito das relações encetadas entre a distribuidora de combustíveis e o posto revendedor.
De plano, sobreleva a posição de superioridade na relação contratual por parte do franqueador. A idéia de fundo de franchising é a expansão de uma marca, logo o interesse precípuo é centrado na figura do franqueador, relegando ao franqueado aderir ou não ao sistema ofertado, restando a este uma pequena e restrita margem de negociação.
Quando apreciados os elementos componentes da franquia, restou claro o dirigismo contratual e a posição privilegiada do franqueador. Por outro lado, é comum asseverarem, como sendo uma nota característica da sistemática da franquia, uma pretensa independência do franqueado, aduzindo que este não se encontra em uma relação baseada em um vínculo empregatício e, ainda, que o franqueado não deve ser visualizado como uma filial do empreendimento do franqueador, pois haveria uma autonomia jurídica e financeira, sendo assim estes pactuantes figuras independentes.
Todavia, essa autonomia não é absoluta. É evidente que as exigências do franqueador tolhem a atuação do franqueado. Não que isto seja de todo um malefício, posto que é da essência, ou melhor, uma necessidade desta modalidade negocial uma razoável parcela de controle pelo franqueador. Isto ocorre porque a relação entre franqueador e franqueado é muito mais do que uma mera compra com uma série de pactos adjetos. É uma relação muito mais íntima, pois há, ao menos em uma primeira análise, um forte compartilhamento da marca e uma transferência pesada de know-how.
Logo, preocupando-se com esta relação tão mutualista é que o franqueador detém as rédeas do empreendimento, ditando os fornecedores, as técnicas de venda, o lay-out da empresa, ou, até mesmo, a vestimenta dos funcionários do franqueado. Assim, assiste razão a Harry Kursh[xx] ao expressar que: “Uma boa franquia nunca permitirá um franqueado completamente livre.”[xxi]
Partindo dessa premissa do relevante controle exercido pelo franqueador, tem-se que a já subordinante relação existente entra a grande distribuidora e o pequeno revendedor seria instituída de uma maneira menos sutil. O dirigismo contratual, elemento marcante do sistema de franquias, fundindo-se com a flagrante disparidade de poderio econômico será uma receita que não deverá gerar bons frutos no que tange a existência de uma livre concorrência no mercado de revenda de combustíveis.
Convém atentar para o fato de que a rede de postos revendedores é extremamente pulverizada, e este é o fator preponderante para que exista uma plausível livre concorrência. Mesmo com esta vasta atuação de agentes no setor ainda visualiza-se uma constante prática de cartelização. Logo, se com este extenso rol de revendores já se enfrentam problemas desta natureza, é um cenário não muito agradável que se divisa com a ingerência direta das distribuidoras. Assim, em um sistema de distribuidoras-franqueadores e revendedores-franqueados, no qual estes últimos figuram como quase representantes mercantis, a concorrência sofrerá um grande golpe, pois é um número extremamente inferior de distribuidoras que atualmente participam, e participariam, do mercado de revenda.
Dessa forma, mesmo que em um plano lógico-formal o sistema jurídico pudesse vir a abarcar a inserção do contrato de franquia nos postos de combustíveis, não se pode relegar ao segundo plano a evidente disparidade econômica entre os contraentes. Neste contrato, reputado como bilateral, os pactuantes são notoriamente distintos. Se de um lado encontra-se um posto revendedor de combustíveis, pessoa jurídica de diminuto impacto no mercado, de outro se encontra a poderosa distribuidora, a qual circula milhões em capitais e mercadorias diuturnamente.
Partindo-se desta flagrante distinção material entre os partícipes deste contrato, principalmente no que concerne ao poderio econômico, é fácil inferir a grande possibilidade de ingerência econômica da distribuidora na atuação do revendedor.
Neste prisma, ainda merece destaque a questão do pagamento de royalties, prática comum nos contratos de franquia. Este valor, como esboçado, é referente a um percentual de vendas a que faz jus o franqueador. Por óbvio, visando um aumento nos royalties há interesse direto no volume de vendas, acarretando assim uma verticalização disfarçada da cadeia. Com efeito, deste tipo contratual, o caractere que mais afronta à livre concorrência é a adoção do royalties, pois este fator que irá aguçar, ainda mais, os instintos da selvageria na disputa pelo mercado. Ora, se o volume de vendas do franqueado, o qual está na ponta da cadeia, é proporcional aos lucros do franqueador, e este terá um interesse direto e evidente nas vendas do posto revendedor. E isto poderá acarretar a adoção de práticas nada saudáveis à livre concorrência, propiciando uma tendência monopolizante perante a possível diminuição de agentes partícipes do mercado.
Ora, não é irreal imaginar que uma determinada distribuidora, em uma dada localidade, passe a praticar preços diferenciados aos seus franqueados, única e exclusivamente por se encontrarem nesta condição. Assim, existiria uma tabela distinta para franqueados e não-franqueados. Esta conduta poderia ser engendrada, por exemplo, objetivando cooptar novos franqueados, ante o baixo preço ofertado, ou ainda, em um cenário em que a distribuidora possua um razoável número de adeptos, com o fito de propiciar a quebra dos outros revendedores do setor na localidade.
Claro que, no mercado atual, também há um interesse da distribuidora no volume de vendas, visto que é comum que o distribuidor interesse-se no sucesso empresarial do revendedor de seus produtos, pois, em última análise há uma intrínseca dependência. Esse interesse recíproco é tão veemente que é corriqueiro, mesmo quando há problemas em relação a qualidade do combustível ofertado ao consumidor, e ocorre um dissenso na responsabilização entre distribuidor e revendedor, chegando até mesmo às barras do Judiciário, a distribuidora continuar vendendo combustíveis ao posto, digamos, litigante. Independente deste problema, reputado como incidental, é praxe o prosseguimento das vendas. Logo, se neste cenário pretensamente verticalizado, este problema atinge tal monta, é de se imaginar esta questão em um panorama de ingerência mais profunda da distribuidora, como se afigura a instituição da franquia, se tornará ainda pior.
Como se vê a adoção da franquia nesta seara deve ser apreciada com a devida cautela. Logo, independente da figura contratual sub examine adaptar-se, ao menos em um exame superficial, à relação distribuidor-posto revendedor, não se pode descuidar dos princípios basilares do sistema engendrado através da Lei do Petróleo. No referido diploma legal é evidente a distinção entre revenda e distribuição, bem como a impossibilidade de verticalização da cadeia, sob pena de afrontar a livre concorrência.
Dentre os danosos efeitos, não se pode descuidar da grande possibilidade de quebras no setor. O ingresso, mesmo que obscurecido, de um grande agente no setor, notoriamente, ocasiona problemas a um livre mercado. Deste ponto, as tendências monopolistas, resultantes da atuação de poucos players em um determinado setor (vide as históricas sete irmãs), acarretará quebras de diversos pequenos agentes da revenda de combustível, gerando danos incomensuráveis à iniciativa privada de pequeno e médio porte.
Com efeito, a Portaria nº 116/2000 da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis como regulamento administrativo destinado à complementação normativa, expressa claramente um consectário lógico da ordem econômica nacional, esta expressamente baseado na livre concorrência, consoante disposição do inciso IV, art. 170, da Constituição Federal.
Assim, o art. 12 da referida portaria é claro ao explicitar a impossibilidade do distribuidor atacadista atuar no setor de revenda varejista. De se ressaltar a existência de uma ressalva a essa disposição, no tocante a possibilidade de posto revendedor direcionado ao treinamento de funcionários, objetivando melhorar a qualidade dos serviços prestados. É o denominado posto revendedor escola.
Logo, não se tratando da hipótese excetuada referente ao posto escola, é vedada a inserção da distribuidora no âmbito da revenda de combustíveis, seja diante da disposição expressa do mencionado art. 12, seja por afronta ao princípio de ordem constitucional da livre concorrência.
Por óbvio que no plano fático subsistem práticas contratuais danosas a este importante princípio levadas a efeito pelos atores do mercado de combustíveis. É comum que distribuidoras sejam detentoras de toda a infra-estrutura do posto revendedor (dos terrenos às bombas de combustíveis) e utilizem o revendedor como um mero títere, um fantoche que mascara uma venda quase direta e uma camuflada verticalização no setor. Todas estas nada mais são do que burlas ao sistema de combustíveis no qual subsiste a expressa vedação à verticalização.

5 CONCLUSÃO

Por mais incrível que se possa parecer não se presta o presente artigo científico para apresentar como conclusão a plena inviabilidade da franquia nos postos revendedores de combustíveis. É plenamente possível a adoção de tal instrumento desde que observadas com cautela algumas questões já apreciadas supra.
Primeiramente, excluindo-se as distribuidoras desta hipótese, qualquer dono de posto revendedor ou mesmo um terceiro interessado, poderia criar a sua franquia para postos de revenda de combustível. Tal hipótese é plenamente aceitável em nosso ordenamento e em nada afronta os princípios da ordem econômica. Sendo assim, um ex-gerente de postos, por exemplo, com conhecimentos técnicos razoáveis, poderia criar uma franquia, criando um novo lay-out, treinamentos diferenciados, novas técnicas de mercado, enfim, os caracteres costumeiros desta particular modalidade contratual.
Em segundo lugar, ressaltando o ponto anterior, deve ser, em princípio, vedada a participação das distribuidoras na criação de franquias, nos moldes comumente vislumbrados. Averiguando-se, até mesmo, a inserção societária dos eventuais franqueadores para impedir esta atuação às escuras das distribuidoras.
Por outro lado, e isto é plenamente possível, mas não aceitável, é a alteração normativa da Portaria ANP n.º 116/2000. Diante de uma mudança que propicie a atuação do distribuidor nos postos de revenda através do sistema de franquias. Todavia, em uma atuação normativa mais coerente é melhor alterar toda a legislação asseverando que a cadeia agora pode ser completamente verticalizada, pois a ingerência subsistente no contrato de franquia resultará, no plano fático, em uma nebulosa, porém enfática verticalização.
Assim, em que pese, talvez, na prática subsistir um sistema com maior ingerência contratual do que o que está sendo analisado, tal se dá por omissão da ANP em atuar evitando tais práticas. Neste panorama, enquadra-se também o contrato de franquia pelos variados motivos já expendidos. Nesse caso, é interessante frisar, a ANP deveria ter um papel mais atuante, visto que tais condutas são flagrantes estorvos ao basilar princípio da livre concorrência.
Contudo, por derradeiro, impende ressaltar que se extirpando alguns elementos da já típica sistemática da franquia é até razoável aceitar a utilização deste pacto. Em especial a mitigação dos royalties, elemento mais enfático das subliminares manipulações possíveis do mercado.
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NOTAS

[i] SINDICOM. História da Distribuição de Combustíveis no Brasil. Disponível em: . Acesso em: 11 jun. 2008.
[ii] Op. Cit.
[iii] Op. Cit.
[iv] Art. 238. A lei ordenará a venda e revenda de combustíveis de petróleo, álcool carburante e outros combustíveis derivados de matérias-primas renováveis, respeitados os princípios desta Constituição.
[v] Disponível em: <www.sindicom.com.br>. Acesso em: 11 jun. 2008.
[vi] Op. Cit.
[vii] Op. Cit.
[viii] Op. Cit
[ix] Op. Cit.
[x] Art. 6.º (...) XX - Distribuição: atividade de comercialização por atacado com a rede varejista ou com grandes consumidores de combustíveis, lubrificantes, asfaltos e gás liquefeito envasado, exercida por empresas especializadas, na forma das leis e regulamentos aplicáveis; XXI - Revenda: atividade de venda a varejo de combustíveis, lubrificantes e gás liquefeito envasado, exercida por postos de serviços ou revendedores, na forma das leis e regulamentos aplicáveis; (Grifamos)
[xi] JORNAL TRIBUNA DO NORTE, Caderno Economia, p. 3, ano 53, número 074, Natal, Rio Grande do Norte, sábado, 21 de junho de 2008.
[xii] Disponível em: <www.sindicom.com.br>. Acesso em: 11 jun. 2008.
[xiii] Portaria ANP N.° 116, de 05 de julho de 2000, (...) Art. 12. É vedado ao distribuidor de combustíveis líquidos derivados de petróleo, álcool combustível, biodiesel, mistura óleo diesel/biodiesel especificada ou autorizada pela ANP, e outros combustíveis automotivos o exercício da atividade de revenda varejista”. (Grifamos)
§ 1º. O caput do artigo não se aplica quando o posto revendedor se destinar ao treinamento de pessoal, com vistas à melhoria da qualidade do atendimento aos consumidores.
§ 2º. O posto revendedor de que trata o parágrafo anterior deverá atender as disposições desta Portaria e ter autorização específica da ANP, como posto revendedor escola.
[xiv] GUERRA, Luiz Antônio; GONÇALVES, Valério Pedroso. Contratos de distribuição e revenda de combustíveis. Brasília: Brasília Jurídica, p. 84-85.
[xv] Op. Cit.
[xvi] BULGARELLI, Waldírio. Contratos mercantis. 14 ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 530-531.
[xvii] Op Cit.
[xviii] Disponível em: http://www.shell.com/home/content/br-pt/shell_for_motorists/franquia/abertura_02251208.html. Acesso em: 10 jun. 2008.
[xix] GUERRA, Luiz Antônio; GONÇALVES, Valério Pedroso. Contrato de franquia empresarial nos postos de combustíveis. Brasília: Brasília Jurídica, p. 88-89.
[xx] Doutrinador americano autor do livro The Franchise Boom, denominado pelos comentadores desta seara como “the Bible of the franchising field” (A bíblia no campo da franquia).
[xxi] Tradução Livre. Apud MARTINS, Fran. Contratos e Obrigações Mercantis. 15ª ed. Rio de Janeiro : Forense, 2000.

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