segunda-feira, 29 de junho de 2009

A PEC 410/05 E SUAS IMPLICAÇÕES NO MARCO REGULATÓRIO DO SETOR PETROLÍFERO BRASILEIRO



ARAÚJO NETO, H. B;
ALVES, V. R. F.




Resumo: O aparato estatal é volumoso para adaptar-se com velocidade devida às mudanças do mundo globalizado. Sendo assim, a competição pelos mercados, direcionada e regrada pelo Estado, tem-se mostrado salutar para o pleno desenvolvimento econômico. Assim, o Estado neoliberal tem agido através da intervenção na economia, não mais direta, mas por meio de agências que regulam determinado setor, definindo marcos regulatórios, lastreados em definições técnicas distanciadas das conveniências políticas. Tal fato tem favorecido sobremaneira a potencialização dos investimentos em vários ramos da economia. Originariamente, no Brasil a titularidade da execução do monopólio petrolífero e gás natural era exclusiva da Petrobrás, em prol da União. No entanto, com a flexibilização do monopólio do petróleo, resultado da Emenda Constitucional 09/95, e a criação da Agência Nacional do Petróleo, findou-se a exclusividade da Petrobrás, gerando um incremento significativo na exploração e produção nestes últimos dez anos.. A Constituição Federal prevê em seu artigo 176 que as jazidas e demais recursos minerais são juridicamente compreendidas como um patrimônio dissociado do solo, para efeitos de exploração ou aproveitamento, sendo tais bens de titularidade da União. Desse modo, caso eventual concessionário venha a efetuar a lavra, torna-se proprietário direto do produto lavrado. Contudo, em 2005, o Deputado Federal Luciano Zica patrocinou a Proposta de Emenda à Constituição n° 410 com o intuito de modificar o art. 176 da Constituição Federal. Tal modificação retiraria do possível concessionário a propriedade do produto lavrado, cabendo esta a União. Neste sentido, visa o presente trabalho debater, tomando por base um estudo fundado na metodologia teórico-descritiva, a titularidade das atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural na conjuntura brasileira hodierna, bem como, pretende abordar as eventuais conseqüências da adoção de tal Proposta de Emenda, abordando as distintas correntes acerca de tal temática e analisando os eventuais cenários resultantes e as modificações advindas.

Palavras-chaves: Marco Regulatório; Proposta de Emenda à Constituição; Flexibilização.


1. INTRODUÇÃO

Hodiernamente, não há como negar os constantes conflitos motivados por interesses divergentes, de uma sociedade multíplice e globalizada, que corre contra o tempo em busca das mais variadas formas de vantagens e comodidade atrelada ao dispêndio energético. Porém, é sabido que o aparato estatal é por demais volumoso para adaptar-se com a velocidade devida às vertiginosas mudanças.
Sendo assim, a competição pelos mercados, evidentemente direcionada e regrada pelo Estado, tem-se mostrado salutar para o pleno desenvolvimento econômico. Assim, o Estado neoliberal tem agido através da intervenção na economia, não mais direta, mas por meio de agências que regulam determinado setor, definindo marcos regulatórios, lastreados em definições técnicas distanciadas das conveniências políticas. Tal fato tem favorecido sobremaneira a potencialização dos investimentos em vários ramos da economia.
Nesse sentido, visa o presente trabalho debater, tomando por base um estudo fundado na metodologia teórico-descritiva, sobre a titularidade das atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural na atual conjuntura brasileira, bem como, pretende abordar as possíveis conseqüências da quebra do marco regulatório.

2. MARCO REGULATÓRIO DO SETOR DE PETRÓLEO E GÁS BRASILEIRO

Em 1953, em pleno governo Vargas, após um incansável debate entre nacionalistas e entreguistas, como corolário da campanha “o Petróleo é nosso!”, foi promulgada a Lei n. 2.004/53. Esta lei instituiu o monopólio das atividades de prospecção e produção de petróleo, criando a Petróleo Brasileiro SA - Petrobrás, empresa estatal titular da execução do monopólio petrolífero e de gás natural, em prol da União.
Para alguns pensadores, a civilização moderna, é, sem dúvida, uma civilização mineral, tendo em vista que os recursos minerais são responsáveis, ao longo dos anos, por um compassivo progresso em diversos segmentos da economia, fato este que, elevou o conforto e o padrão de vida de muitos povos, deixando-os, em contrapartida, cada vez mais dependentes, por exemplo, do petróleo (Barbosa e Bitelli, 2004).
Neste contexto, diante de uma política neoliberal, calcada num fenômeno desenfreado denominado globalização, os países passaram a depender, sem sobra de dúvidas, uns dos outros, haja vista todo o aparato técnico-científico que os aproximam. Com isso, diante da necessidade de desenvolver o nosso setor energético, com fulcro no princípio do interesse nacional, iniciou-se os debates sobre a flexibilização do regime de exploração ligado às atividades petrolíferas do país.
Após um novo e também incansável ciclo de debates, - entre a bancada parlamentar que defendia a flexibilização como saída necessária e viável, amparada no capital e ousadia do setor privado, em busca do incremento que o setor energético exige e, a bancada defensora da “soberania nacional”, em defesa de um bem público estratégico, da eficiência da Petrobrás.
Além disso, da ausência de condições para regulação e fiscalização do Estado -, foi aprovada, em 1995, a Emenda Constitucional de n. 09, responsável pela flexibilização do regime monopolista que, em regra, não implicou quebra do monopólio, pois continua este pertencendo à União, mas apenas permitiu que a execução das atividades de pesquisa e lavra das jazidas, refino, importação, exportação e transporte, não ficassem a cargo, exclusivamente, da Petrobrás, e sim pudesse ser compartilhada com outras empresas privadas, até mesmo estrangeiras, desde que estejam regularmente constituídas sob as leis brasileiras e tenham sede e administração no território nacional.
Com a flexibilização, o direito regulatório - de origem norte-americana, cada vez mais presente na atuação estatal hodierna, difundido pelo o fenômeno da globalização -, precisava ser estabelecido. No Brasil, o surgimento das agências reguladoras – autarquias em regime especial, com função regulamentar específica de acordo com a natureza da matéria que lhe está afeta -, está atrelado ao Plano Nacional de Desestatização. Em decorrência do citado plano, foram criadas, mediante leis esparsas, várias agências reguladoras, entre elas, pela Lei Federal n. 9.478/97, a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), consoante sólida previsão constitucional (art. 177, § 2°, III, da CF). Neste diapasão, a República Federativa do Brasil, Estado capitalista e neoliberal, passou a intervir no setor energético, não mais de forma direta, mas por meio da ANP, órgão regulador detentor da atribuição de definir o marco regulatório, lastreado em definições técnicas distanciadas das conveniências políticas.
Ultimando, é fato que com a mudança de mentalidade e a conseqüente flexibilização do regime monopolista, resultado da Emenda Constitucional 09/95, e a criação da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, findando-se a exclusividade da Petrobrás, ocorreu um incremento significativo na exploração e produção de petróleo e gás natural nestes últimos dez anos no país.
Mesmo assim, é inegável que o Brasil possui todas as condições necessárias para atrair investimentos mais vultosos para o setor petrolífero, porém, muito dependerá dos estudiosos e operadores do Direito, aos quais compete a árdua e relevante tarefa de estudar e aperfeiçoar a legislação mineral do nosso País em busca de soluções que o setor energético reclama, haja vista que, ao longo dos anos, o Direito tem se tornado o sádico entrave ao crescimento da indústria nacional do petróleo.

3. DISSENSO JURÍDICO: PROPRIEDADE DA LAVRA

A exploração dos bens situados na profundeza terrestre no decorrer da história humana, “revelou um mundo fascinante para empreendedores e exerceu um verdadeiro fascínio entre aventureiros, atraindo sempre a atenção e a cobiça de muitos”. (Barbosa e Bitelli, 2004, p. 11)
Diante da sede insaciável de recursos minerais, principalmente de petróleo, o direito real de propriedade, nos últimos séculos, vem sendo alvo de constantes mudanças. O regime de domínio, dentro das faculdades de usar, gozar, dispor e reivindicar do bem, e do conseqüente aproveitamento das jazidas minerais, dentro do variado quadro de realidades econômicas, políticas e militares, vem sendo, cada vez mais e de forma tecnicamente precisa, incorporado ao ordenamento jurídico de vários países.
No Código Mineiro de Napoleão, em 1810, já havia uma sistematização científica no sentido de distinguir, juridicamente, a propriedade do solo e a do subsolo. Esse dualismo foi criado em virtude do “desprezo” dado pela natureza a propriedade do interior da terra. Assim, com esta ficção jurídica, permitiu-se, que os recursos minerais, individualizados e economicamente viáveis, situados na profundeza terrestre, fossem explorados sem a interferência do proprietário da superfície.
Desde a Carta Magna de 1934, que o Brasil vem adotando o princípio da distinção entre propriedade do solo e a do subsolo, para efeito de exploração e aproveitamento, conforme o que já previa há muito tempo atrás o Código Mineiro de Napoleão.
Com base nos sistemas jurídicos de exploração e aproveitamento das jazidas, a Carta Política de 1934, assim como o Código de Mineração, adotou o sistema de concessão, em que a jazida – “massa individualizada de substância mineral ou fóssil, aflorando a superfície ou existente no interior da terra e que tenha valor econômico” (art. 4°, do Código de Mineração) -, pertence ao Estado, podendo este conceder ao particular a sua exploração e aproveitamento.
A Constituição de 1937 manteve o sistema de 1934, com a exigência que a concessão fosse conferida somente a nacionais ou a empresas constituídas por eles. Por outro lado, as Cartas Políticas de 1946 e 1967 mantiveram o sistema da concessão, porém, a “carta dutraniana”, extinguiu a participação nos lucros, mantendo o direito de preferência dos brasileiros; já a “militar” instituiu o regime de participação do proprietário do solo nos resultados da lavra e extinguiu o direito de preferência dos nacionais.
Nesta óptica distinção entre o que estar na superfície e o que se encontra no interior da terra, para efeitos de exploração e aproveitamento, a atual Carta Magna, prevê em seu artigo 176 que as jazidas e demais recursos minerais são juridicamente compreendidas como um patrimônio dissociado do solo, sendo tais bens de titularidade da União. Desse modo, caso eventual concessionário venha a efetuar a lavra, torna-se proprietário direto do produto lavrado, em consonância com o princípio de interesse nacional, inscrito no art. 176, § 1°, da Constituição Federal, e no art. 5°, da Lei do Petróleo.
A exploração do subsolo brasileiro que pode tanto ser realizado pela estatal ou por empresas privadas, constitui-se, portanto, no uso privativo ou especial de um bem público, legitimado por um título jurídico individual baseado na exclusividade, quer seja autorização ou concessão de uso, conforme prevê a Constituição Federal e em harmonia, a Lei do Petróleo para os casos específicos.
Mesmo diante da certeza de que a propriedade mineral, da forma que foi posta pela Constituição Federal e, conseqüentemente, pela Lei do Petróleo, tem por característica a vinculação da riqueza ao interesse da coletividade e não ao interesse exclusivo de uma única pessoa, o modelo é alvo de constantes debates motivados por discursos de natureza contrária ao que está posto.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) de n. 3.273/2004-PR, ajuizada pelo Estado do Paraná, por meio do seu Governador, então legitimado ativo (art. 103, V, da CF) foi à primeira investida contra o modelo atual de exploração, em ataque ao art. 26, da Lei do Petróleo, dispositivo que preceitua que o concessionário é proprietário do petróleo ou gás natural explorado em determinado bloco, por sua conta e risco, a partir do momento em que os extrai do subsolo.
Analisando a citada ADI, o Supremo Tribunal Federal (STF) pacificou o entendimento que a garantia da propriedade do produto da lavra em favor do concessionário é inerente ao sistema capitalista brasileiro, tornando-se inviável economicamente a concessão para explorar sem a devida apropriação do bem lavrado.
Finalizando, é evidente que com o modelo capitalista adotado pelo nosso país e, consequentemente, com a dependência da sociedade contemporânea por petróleo e gás natural, além da busca do sonhado desenvolvimento, não há como negar a relevância da distinção de propriedade entre o solo e o subsolo para efeito de exploração e aproveitamento destes recursos naturais, nem muito menos que a propriedade da lavra seja conferida ao concessionário, pois sem esta contrapartida cremos que não haverá interesse por parte do capital privado, em enveredar numa atividade de alto custo e repleta de riscos, cerceando assim, um possível crescimento do setor energético.

4. A PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO 410/05

Antes de perscrutar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC), concernente ao escopo do presente trabalho acadêmico, é salutar compreender em linhas genéricas a tramitação de uma PEC no âmago das casas legislativas.
Logo após ser apresentada pelo congressista, a PEC passa pela Comissão de Constituição e Justiça, que irá analisar a proposta intentada no que tange a alguns critérios objetivos, a saber: a constitucionalidade, a legalidade e a técnica legislativa. O primeiro e o segundo critério visam delimitar se não há eventual choque entre o texto da proposta em debate com a Constituição Federal e a legislação esparsa inferior, respectivamente. O terceiro critério concerne aos elementos técnicos, materiais e formais (e.g., estruturação da norma, quoruns a serem obedecidos) utilizados na produção de diplomas normativos.
Caso seja aprovada, no que tange aos critérios supra-arrolados, é criada uma comissão especial que tem o desiderato de produzir um parecer acerca de tal Proposta. Essa comissão tem um prazo de 40 sessões para apresentar seu posicionamento. Logo após a emissão desse parecer, a PEC é votada em dois turnos, necessitando de 3/5 (três quintos) dos congressistas.
Em eventual aprovação, a proposta é encaminhada à outra casa legislativa, para a Comissão de Constituição e Justiça desta assembléia para análise. A posteriori, deve ser analisada pelo plenário, onde deverá ser votada em dois turnos e atingir também o mesmo quorum que fora necessário para sua aprovação anterior.
Delimitados estes elementos, que servirão de necessário lastro para se apreender as transformações legislativas, pode-se adentrar no caso concreto.
Conforme amplamente debatido supra, a regulamentação de um setor estratégico como o petrolífero, necessita de bases sólidas e organizadas, possibilitando um clima de segurança jurídica propício ao investimento. Ocorre que em um país com um cipoal jurídico desestruturado e colidente, além de um relativo desvelo do poder legiferante, atuando através de conveniências (e conivências) políticas, manter qualquer estabilidade não é tarefa das mais simplórias.
Destarte, mesmo após o pronunciamento do Egrégio Supremo Tribunal Federal no sentido de que o produto da lavra pertence ao concessionário, surge uma PEC de nº 410 de 2005, que intenta extirpar o excerto final do art. 176 da Constituição Federal.
Esse artigo sub examine preleciona que, nos casos de aproveitamento e exploração, são consideradas como propriedades dissociadas do solo as jazidas, os recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica, sendo esses de titularidade da União. O nó górdio subsiste no trecho final deste artigo aduzindo que pertencerá ao concessionário a propriedade do produto lavrado.
Colimando obstar tal aplicação normativa, o Deputado Luciano Zica, do Partido dos Trabalhadores (PT) patrocinou a PEC 410/05[1] que visa retirar a hipótese de o produto da lavra pertencer ao concessionário. Na defesa de sua proposta afirma o caráter estratégico dos recursos energéticos, sendo uma questão de soberania nacional a sua proteção. Frisa ainda que surgiram diversas alterações ocorridas nos marcos regulatórios de outros países da América Latina, com o mesmo intuito de trazer para o controle estatal esta atividade.
Os argumentos que dão sustentáculo a proposta baseiam-se em duas linhas principais. Primeiramente que se os bens passam à propriedade do concessionário o monopólio não seria nada mais do que letra morta. Em segundo lugar, aduz ainda que não há qualquer grau de certeza de que exista comprometimento dos produtores de petróleo com o abastecimento do mercado interno, sustentando que o Sistema Nacional de Estoques de Combustíveis e o Plano Anual Estratégico de Estoque de Combustíveis, previstos legalmente desde 1991 e que nunca foram encaminhados para a aprovação do Congresso Nacional.
Consoante explicitado supra acerca dos trâmites da PEC, após intentada esta, coube ao Dep. Luiz Alberto, relator da Proposta, apreciá-la e emitir seu parecer. Desta feita, por vislumbrar o efetivo preenchimento dos requisitos dispostos no art. 60 da Constituição Federal e a obediência aos quoruns previstos o relator votou pela aprovação da Proposta.
Restaria ainda o debate no âmbito do plenário. Para se delimitar o caminhar dos debates nas casas legislativas é salutar a consulta da Agenda da Casa, que é um documento que traz em seu corpo um perfunctório vislumbre de como se encontra o trâmite de qualquer eventual projeto em debate bem como o posicionamento atual dos congressistas. No que concerne a PEC em tela, a Agenda da Câmara de 2006 esboça que o posicionamento era divergente, considerando a proposta não conveniente, visto que não restaria incentivo à iniciativa privada para realizar investimentos no setor pois não haveria a contrapartida da propriedade da lavra. Neste mesmo documento é citado o julgamento da ADIN 3.273 e a tese norteadora de ser materialmente impossível a concessão pelo sistema capitalista adotado, sem que o produto lavrado seja do concessionário.
A próxima etapa do trâmite da PEC consistiria na apreciação pelo pleno da Câmara dos Deputados. Contudo, consulta ao sítio da Câmara, através do módulo de tramitação de processos, constava que a Proposta restava arquivada com fulcro no disposto no art. 105 do Regimento Interno da Câmara.
Ocorre que esta modalidade de arquivamento prevista, diz respeito ao arquivamento automático de Propostas em virtude do término de uma legislatura. Ademais, o parágrafo único desse art. 105 esboça que é possível, desde que haja requerimento de quaisquer dos autores da proposta, até 180 (cento e oitenta) dias após o início da primeira sessão legislativa ordinária subseqüente, pleitear o desarquivamento da Proposta, retornando esta à etapa em que se encontrava.
Sendo assim, até a consecução efetiva deste artigo científico não restou delimitado se ocorreu ou não o reingresso da PEC 410/05 na pauta de debates das casas legislativas. Todavia, resta ainda indefinido o cenário político, existindo ainda possibilidade de reabertura de tal discussão.

5. CENÁRIOS E DEBATES

Convém de plano balizar os entendimentos advindos da implementação da PEC 410/05. Muito se especulou e se discutiu acerca da viabilidade, ou da total inviabilidade e desnecessidade desta Proposta. Contudo, é interessante frisar que interpretações desarrazoadas e apressadas conduziram a entendimentos nem sempre coerentes com o ordenamento jurídico..
O modelo criado para a flexibilização do setor petrolífero brasileiro é, sem dúvida, um dos mais bem estruturados, sendo tomado como referência em vários outros países. Nesse modelo nacional, os recursos naturais do subsolo são de titularidade da União, enquanto resguardados em seu local de origem, abaixo do solo. Assim, através da Emenda Constitucional nº 9/95, ocorreu a flexibilização do monopólio de modo a possibilitar que empresas privadas participassem também da exploração no setor. Para garantir o interesse da iniciativa privada há a previsão de que os concessionários arrogam para si a propriedade do produto lavrado.
Os defensores da flexibilização do setor encampam a tese de que esta PEC traria uma guinada no setor de Exploração e Produção petrolífera, sendo este ato o primeiro passo para um retorno ao monopólio da atividade[2]. Ademais a impossibilidade de se tornar proprietário do produto da lavra geraria o total desinteresse da iniciativa privada em investir no setor, consoante hipótese já acolhida pelo Colendo STF, como já foi explicitado.
Há ainda os que explanem que a busca pelo comprometimento dos que atuam no setor não deveria ser intentada por este meio. Uma modalidade mais prática deveria ter sido exigir do Conselho Nacional de Política Energética um papel mais eficaz neste contexto do que atentar contra todo um modelo já estruturado (Quintans, 2006).
Sobreleva ainda a questão do monopólio de escolha, ou seja, não há o monopólio de fato e direto da União sobre os bens explorados, todavia subsiste o direito de a União escolher quem irá deter este bem, cabendo ao ente estatal, já que dita as regras, a monopolização decisória (Quintans, 2006).
Sustentando as benesses da flexibilização esboçam o inconteste aumento nas pesquisas e na descoberta de novas jazidas, bem como dos altíssimos investimentos realizados neste curto lapso temporal de participação da iniciativa privada. O setor teria arrecadado em bônus de assinatura, apenas com a sétima rodada, mais de R$ 1 bilhão de reais, além do efetivo crescimento da indústria nacional e a geração de diversos postos de trabalho[3]. Assim, a adoção da PEC 410/05 poderia ser definida como um retrocesso sem precedentes na indústria petrolífera nacional.
Inegável que a PEC 410/05 realmente trouxe um choque para o setor, pois demonstrou um vislumbre de instabilidade política que poderia redundar em uma quebra do marco regulatório com conseqüências complexas de se mensurar. Para demonstrar o clima de incerteza, delineou-se, por exemplo, que a adoção da Emenda acarretaria a quebra dos contratos celebrados a partir da 7ª Rodada de Licitações da Agência Nacional do Petróleo e com isso a União deveria arcar com multas bilionários em virtude da rescisão contratual[4]. Por outro lado esboçou-se que não ocorreria a quebra de contrato, pois se sustentaria o direito adquirido daqueles que consubstanciaram suas relações jurídicas antes das alterações normativas.[5] Soluções das mais diversas surgiram. Até mesmo a possibilidade de não aplicação do dispositivo à indústria do petróleo, com visas a evitar os eventuais danos ao setor[6].
Outrossim, apesar dos sustos causados pela PEC 410/05 nos investidores do mercado petrolífero, o Brasil ainda é visto como um dos marcos regulatórios mais bem estruturados para investimentos, em comparação com outros países. A Venezuela, a Argentina e a Bolívia, por exemplo, efetuaram alterações nas suas regras que têm legado preocupações aos que investem neste setor. No caso do Brasil, pesquisa do primeiro trimestre de 2006 considerou o país como líder no que concerne a atratividade de investimentos, quando analisados critérios fiscais e políticos do setor de exploração e produção petrolífera[7].
Porém, em que pesem todas as exposições levantadas é conveniente demonstrar que, com o eventual advento da PEC 410/05, não ocorreria o retorno efetivo ao monopólio da Exploração e Produção de Petróleo no Brasil.
Compulsando o texto constitucional e cuidando para levar a efeito uma interpretação sistemática das normas é razoável inferir que com o ingresso de tal PEC no ordenamento a União não estaria, de forma alguma, impedida de contratar com a iniciativa privada para a exploração do petróleo. Este comando normativo emana do §1º, do art. 177 da Constituição Federal, que, saliente-se, em nada é objeto da PEC ora em análise.
Sendo assim, a exclusão do excerto final do caput do art. 176 da Constituição, retirando dos concessionários a propriedade do produto da lavra, acarretaria, como conseqüência direta, a titularidade destes bens como da União, mesmo após lavrados. Destarte, num cenário de aprovação da PEC 410/05 a União poderia sim realizar a licitação de blocos para a exploração, contudo se trataria não mais de um contrato de concessão para explorar uma atividade, mas sim de uma mera contratação da administração pública de um serviço qualquer.
Por exemplo, o ente estatal quando deseja construir uma ponte realiza uma licitação, isto é, conclama os particulares para participarem de um concurso e apresentarem suas propostas para a realização do serviço determinado. Aquele que preenche os requisitos exigidos será o executor da obra determinada. Mutatis mutandis, o advento da PEC 410/05, da forma em que foi proposta, acarretaria como conseqüência imediata esta mudança paradigmática no setor petrolífero. Gerando assim a necessidade de se licitar os blocos para particulares explorarem, só que como uma mera prestação de serviços, restando para o ente estatal os ônus e bônus da realização desta atividade.
Por evidente que não encampamos a defesa de uma proposta de emenda à Constituição que deflagraria mudanças sérias em um mercado já regulamentado, estabilizado e em franca expansão; necessitaria um amplo investimento estatal e reclamaria mudanças profundas e complexas para sua mínima operacionalização, visto que seria uma completa alteração paradigmática; além de estar flagrantemente dissonante com todo o arcabouço legislativo produzido, pois geraria a derrogação de quase toda a Lei do Petróleo.
Ademais, é necessário ter em mente o momento histórico em que se situa esta proposição. Em um mundo globalizado e neoliberal, com a tendente flexibilização dos mercados, resta aos Estados nacionais ditarem as regras do mercado, criando os seus marcos regulatórios. Assim, a aprovação de tal proposta de emenda tratar-se-ia - mesmo com a interpretação suso-explicitada, mitigando o advento do monopólio – apenas de um retorno orientado apenas por convicções político-ideológicas em total dissonância com a realidade dos fatos, contrariando todo o sentido do curso das mudanças empreendidas nos últimos tempos.
Contudo, apesar de não acatar tal proposta, faz-se mister trazer à tona o real sentido que tais alterações acarretariam, posto que só assim pode-se efetuar uma análise científica dos fatos. É de ressalta que provavelmente, apesar de aparente o resultado desta interpretação sistêmica, esta talvez não tenha sido a mens legislatori intentada, mas indubitavelmente, o que a mens legis espontaneamente dispõe.

6. CONCLUSÕES

Ora, é fato notório que os recursos energéticos são a mola propulsora de qualquer sociedade. Sem uma matriz energética robusta e estável torna-se extremamente complexo atingir um bom nível de desenvolvimento econômico. Contudo, não parece ser a alternativa mais salutar, legar a letárgica res publica a atuação em um setor tão dinâmico e promissor. Deve o Estado manter seu papel de agente regulador, um tutor dos caminhos que a indústria petrolífera deve seguir.
Além deste ponto relevante, os próprios argumentos da emenda proposta de forma alguma servem-lhe de lastro pois não se fundeiam em elementos condizentes.
Primeiramente, quanto ao primeiro ponto arrolado, no que tange a tornar o monopólio letra morta. Como se pode inferir com facilidade dos estudos do Direito das Coisas é perfeitamente possível o sistema de propriedade previsto. Nesse caso resta a União a titularidade das jazidas, isto é, da sua eventual lavra de forma ilegal surge a possibilidade de se impedir tal situação. Ao particular, compete, após a exploração, o direito de propriedade sobre o produto lavrado. Nenhum óbice a tal sistemática parece subsistir.
Quanto ao outro argumento da falta de compromisso dos eventuais exploradores do setor é conveniente ressaltar que há uma série de exigências das mais variegadas para que se possa participar da exploração e produção de petróleo. O particular adentra em um setor em que corre muitos riscos; arca com uma quantidade bastante elevada de tributos; e está sujeito a uma série de imposições e regramentos ao produto que se tornou de sua propriedade, visto que é de importância basilar para a economia da nação.
Assim, em uma visão holística da legislação, a própria Lei do Petróleo ao versar acerca dos objetivos da política energética nacional preleciona em seu art. 1º, V, que um dos desideratos é garantir o fornecimento de petróleo para o mercado nacional. Lastreado nesta disposição, os editais licitatórios das rodadas e os contratos de concessão trazem previsões expressas que impedem que o particular utilize-se dos bens lavrados ao seu talante.Desta forma, por exemplo, caso o particular deseje exportar o produto lavrado dependerá de autorização da ANP. Ou ainda, é plenamente possível, em caso de emergência nacional em que ocorre falta de combustíveis no mercado nacional a determinação da ANP para que o concessionário atenda as necessidades do mercado nacional ou componha os estoques estratégicos do país.
Por derradeiro, é notório que os argumentos da PEC não se sustentam, logo esta não deve lograr êxito, pois seria uma golpe na organização do setor. Deve-se salientar que a estabilidade de um marco regulatório é o ponto nevrálgico para que os investimentos possam se desenvolver em um determinado setor da economia. Sendo assim, tal medida, se aprovada, mesmo com a interpretação sistêmica apresentada no corpo deste trabalho, subverte plenamente o status quo e o regime engendrado para, resultando em um flagrante e pungente golpe a segurança jurídica pátria.

7. REFERÊNCIAS

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CABRAL, Indhira de Almeida. A responsabilidade do estado Legislador – a emenda constitucional n° 9 de 11 de novembro de 1995. Natal: UFRN, 2004.
COLETÂNEA DE PETRÓLEO E GÁS. Org. Alfredo Ruy Barbosa, Marcos Alberto Sant”Anna Bitelli. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2004.
DEPARTAMENTO NACIONAL DE PRODUÇÃO MINERAL. Proposta de Emenda À Constituição 410, 2005. Disponível em: . Acesso em: 06 demarço de 2007.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19ª ed. São Paulo: Atlas, 2006.
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TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO. Clipping. Retrocesso na Indústria Brasileira do Petróleo. Disponível em: . Acesso em: 06 de março de 2007.

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THE PEC 410/05 AND ITS IMPLICATIONS IN LANDMARK REGULATÓRIO OF THE BRAZILIAN PETROLIFEROUS SECTOR

Abstrack: The state apparatus is voluminous to adapt itself with speed due to the changes of the globalizado world. Being thus, the competition for the markets, directed and regrada for the State, has revealed to salutar for the full economic development. Thus, the neoliberal State has acted through the intervention in the economy, not more direct, but by means of agencies that regulate definitive sector, defining regulatórios landmarks, lastreados in distanciadas definitions techniques of the conveniences politics. Such fact has favored excessively the potencialização of the investments in some branches of the economy. Originariamente, in Brazil the title of the execution of the petroliferous monopoly and natural gas was exclusive of Petrobra's, in favor of the Union. However, with the flexibilização of the monopoly of the oil, resulted of the Constitutional Emendation 09/95, and the creation of the National Agency of the Oil, it was findou exclusiveness of Petrobra's, generating a significant increment in the exploration and production in these last ten years. The Federal Constitution foresees in its article 176 that the mineral deposits and too much resources juridicamente are understood as a dissociado patrimony of the ground, for the purpose of exploration or exploitation, being such goods of title of the Union. In this way, in case that eventual concessionaire comes to effect cultivates it, direct proprietor of the cultivated product becomes. However, in 2005, the Representative Luciano Zica sponsored the Proposal of Emendation to the Constitution n° 410 with intention to modify art. 176 of the Federal Constitution. Such modification would remove of the possible concessionaire the property of the cultivated product, fitting this the Union. In this direction, it aims at the present work to debate, taking for base a study established in the theoretician-descriptive methodology, the title of the activities of exploration and production of oil and natural gas in the Brazilian conjuncture hodierna, as well as, intends to approach the eventual consequences of the adoption of such Proposal of Emendation, approaching the distinct chains concerning such thematic one and analyzing the eventual resultant scenes and the happened modifications.

Key-words: Regulatório landmark; Proposal of Emendation to the Constitution; Flexibilização.
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NOTAS

[1] DEPARTAMENTO NACIONAL DE PRODUÇÃO MINERAL. Proposta de Emenda À Constituição 410, 2005. Disponível em: . Acesso em: 06 de março de 2007.
[2] INSTITUTO BRASILEIRO DO PETRÓLEO. Retrospectiva Rio Oil&Gás 2006. Disponível em: < documentid="%">. Acesso em: 06 de março de 2007.
[3] TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO. Clipping. Retrocesso na Indústria Brasileira do Petróleo. Disponível em: . Acesso em: 06 de março de 2007.
[4] PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Clipping. O petróleo é nosso. Mas só Nosso? Disponível em: <>. Acesso em: 10 de março de 2007.
[5] INSTITUTO BRASILEIRO DO PETRÓLEO. Op. Cit.
[6] INSTITUTO BRASILEIRO DO PETRÓLEO. Op. Cit.
[7] INSTITUTO BRASILEIRO DO PETRÓLEO. Op. Cit.




Artigo publicado nos anais do 4º Congresso Brasileiro de P&D em Petróleo e Gás, realizado em Campinas/SP, out. 2007; e, no anais do XIII Seminário de Pesquisa do CCSA: Universidade, Políticas Públicas e Solidariedade, realizado em Natal/RN, 2007.

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